Tecnologia redefine luto: interação digital com mortos surge após Dia de Finados. Startups e universidades desenvolvem “griefbots” com base em dados dos falecidos. Riscos éticos e psicológicos são levantados
Em 2 de novembro, enquanto muitas famílias visitam cemitérios e acendem velas, surge uma inovação tecnológica que redefine a forma como lidamos com a morte: a possibilidade de interação digital com os falecidos. Essa tecnologia, que envolve a simulação da presença, voz ou imagem de pessoas que se foram, está sendo desenvolvida por startups e centros de pesquisa.
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Ferramentas que permitem conversar, em chat de texto ou vídeo, com “aversões digitais” de pessoas mortas já estão disponíveis. Essas IAs são alimentadas por dados como mensagens, e-mails, vídeos, fotos e gravações de voz, gerando respostas com base nos perfis do falecido.
Projetos como “Project December” permitiam a criação de chatbots simulando pessoas falecidas, utilizando registros textuais e pagando para interagir com eles. A empresa Eternos desenvolveu uma plataforma que permitiu a criação de uma versão digital da voz e “presença” do empreendedor Michael Bommer para interação familiar após o seu falecimento.
Pesquisadores da University of Cambridge chamam essas entidades de “griefbots” ou “deadbots”, chatbots que simulam a linguagem e personalidade de falecidos através de suas “pegadas digitais”. A tecnologia pode oferecer conforto no luto, auxiliar na preservação de memórias e valores, e proporcionar uma sensação de legado e continuidade.
Apesar dos potenciais benefícios, essa tecnologia levanta sérias preocupações. O uso de IAs para “trazer de volta” falecidos pode impedir a aceitação da morte, atrasar o luto ou gerar dependência emocional. Um usuário declarou: “Sei que era IA… mas quando comecei a conversar, senti que estava falando com ele”.
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A psicologia mostra que lidar com a ausência real é parte saudável do processo de luto. Além disso, a autenticidade da “voz” digital é questionável, com o consentimento prévio sendo raro e os perfis gerados podendo distorcer ou caricaturar o falecido.
Há também problemas de propriedade dos dados e a mercantilização da morte, com serviços pagos para criar avatares ou versões de vídeo/áudio. Crianças em luto podem ser mais vulneráveis a confundir o que é real e o que é simulado.
A tecnologia redefine o que entendemos por “morrer”. Se alguém pode “continuar” digitalmente, como lidamos com legado, herança, ausência real? Há risco de banalizar ou “artificializar” o processo de morte, transformando-o em produto ou entretenimento.
A linha entre memória honrada e simulação inquietante pode se tornar tênue. Perguntas que ficam para bem além do Dia de Finados: Como regulamentar esse tipo de tecnologia? Deve haver padrões sobre consentimento, dados, transparência? Qual o impacto psicológico a longo prazo, sobretudo em crianças ou pessoas vulneráveis?
Quem detém os dados, e quais usos são permitidos? Como as diferentes culturas e religiões vão reagir — em contextos onde a morte tem forte conotação espiritual ou ritualística? Como garantir que isso não se transforme em mais uma forma de alienação — substituindo a comunhão verdadeira, os rituais de luto, o acolhimento humano — por uma simulação?
Neste dia, ao acendermos as velas e mantermos viva a lembrança dos que partiram, cabe refletir: a tecnologia que promete “reunir” os mortos digitalmente pode parecer bênção — mas também contém armadilhas. A ideia de conversar com quem se foi, reviver memórias, manter ligações interrompidas é tentadora.
Mas substitui-se ou complementa-se a dor do luto? E a que custo emocional, ético ou social? Em última análise: a morte continua sendo parte integrante da vida humana — e talvez o que precisamos não seja tanto extensão digital, mas memória digna, afeto humano, presença no real — e a coragem de deixar ir quando for hora.
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