Operação Compliance Zero: Mudança de Jurisdição e o Banco Master
O ministro Dias Toffoli alterou o curso da Operação Compliance Zero, enviando o inquérito para o STF. A decisão, baseada em um documento com menção ao deputado João Carlos Bacelar, paralisou investigações e gerou debates sobre ética e imparcialidade na magistratura
Uma decisão monocrática do ministro Dias Toffoli em 3 de dezembro alterou significativamente o curso da Operação Compliance Zero, uma investigação que apura um esquema de fraude financeira estimado em R$ 17 bilhões envolvendo o Banco Real Brasil (BRB).
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Ao acolher um pedido da defesa do banqueiro Daniel Vorcaro, o ministro determinou a retirada do inquérito da 10ª Vara Federal e o envio ao Supremo Tribunal Federal (STF). Essa medida paralisou todas as diligências em andamento na primeira instância, incluindo quebras de sigilo bancário e análises periciais, centralizando qualquer nova medida investigativa exclusivamente no gabinete do ministro.
A investigação original apura a emissão de títulos de crédito sem lastro – conhecidos no mercado como “títulos podres” – que teriam sido usados para cobrir rombos financeiros e vendidos ao BRB. De acordo com informações reveladas pelo jornal O Globo, a suspeita é que carteiras de crédito artificiais foram criadas para inflar os ativos da instituição, lesando os cofres do banco estatal do Distrito Federal.
O argumento principal para a mudança de competência baseou-se em um documento apreendido pela Polícia Federal na residência de Vorcaro.
Segundo reportagens do jornal Estadão, trata-se de um “termo de opção de compra” de um imóvel de luxo em Trancoso (BA), avaliado em R$ 250 milhões, que envolvia uma empresa ligada ao deputado federal João Carlos Bacelar. Embora o Ministério Público Federal (MPF) sustente que a transação imobiliária não possui conexão com as fraudes na emissão de títulos ao BRB e que o negócio sequer foi concretizado, a defesa alegou que a simples menção ao parlamentar atrairia a prerrogativa de foro.
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O episódio ganhou ainda mais repercussão quando, dias antes de decretar o sigilo absoluto aos autos, Toffoli viajou a Lima para assistir à final da Copa do Mundo. Conforme noticiado pela coluna de Lauro Jardim, do jornal O Globo, o ministro viajou em um jato privado do empresário Luiz Oswaldo Pastore, acompanhado de Augusto de Arruda Botelho, ex-Secretário de Justiça do governo Lula e advogado de Luiz Antonio Bull, diretor de Compliance do Banco Master preso na Operação Compliance Zero.
A viagem do magistrado ao lado de um advogado que atua diretamente para uma das partes investigadas reacendeu o debate sobre os limites éticos e legais da magistratura. Embora a Constituição Federal de 1988 não liste hipóteses taxativas de impedimento, ela assegura o princípio do juiz natural e da imparcialidade.
As regras objetivas são definidas pelo Código de Processo Civil (CPC), aplicável subsidiariamente ao processo penal. Segundo Liliane Sobreira, advogada, mestranda em Direito Constitucional pela PUC-SP e professora da disciplina, a legislação é clara ao definir quando a isenção de um juiz está comprometida. “O juiz deve obrigatoriamente se declarar impedido quando existir vínculo objetivo com a causa (…) ou suspeito se for amigo íntimo ou inimigo de alguma das partes, se receber presentes, favores ou aconselhar alguma das partes”, explica a professora.
Ela reforça que o magistrado deve seguir o art. 144 do CPC para garantir o devido processo legal.
O ponto jurídico central utilizado pela defesa do Banco Master para levar o caso ao STF foi a citação do deputado João Carlos Bacelar nos autos. Historicamente, o Supremo tem debatido a extensão do foro por prerrogativa de função. Em 2018, no julgamento da Questão de Ordem na Ação Penal 937, a Corte restringiu o foro apenas a crimes cometidos durante o mandato e relacionados ao exercício do cargo.
A decisão de Toffoli, ao puxar todo o inquérito — e não apenas a parte referente ao parlamentar —, diverge do entendimento de que o STF não deve funcionar como um “juízo universal”.
Wallyson Costa, advogado com atuação em contencioso no Eichenberg Advogados, analisa com cautela a fundamentação utilizada para a subida dos autos. Para o especialista, embora a Constituição atribua ao STF o julgamento de parlamentares, este caso desperta dúvidas. “Causa estranheza o fato de que a decisão que fundamenta o deslocamento de competência se deu em virtude de um contrato que faz menção a um parlamentar, o que acredito ser insuficiente, à primeira vista, para eventual investigação criminal em face do respectivo”, avalia Costa.
Sobre a possibilidade de fatiamento do inquérito, mantendo a parte financeira na primeira instância, Costa ressalta que há uma lacuna legislativa que permite interpretações variadas pelo Tribunal. “Poderia, sim, o STF desmembrar o processo, todavia, não há uma obrigatoriedade para que isto ocorra, tendo em vista que a legislação é silente neste caso, cabendo ao Tribunal observar de forma casuística qual seria a melhor estratégia”, completa o advogado.
Liliane Sobreira corrobora a tese de que a técnica constitucional adequada não seria o deslocamento automático: “O STF, ao interpretar o art. 102, fixou entendimento de que somente os fatos diretamente relacionados ao parlamentar permanecem no STF.
Os demais investigados e fatos sem conexão devem permanecer no juízo competente de origem”. A imposição de sigilo elevado ao processo impede a opinião pública sobre as movimentações financeiras bilionárias sob suspeita. A publicidade dos atos processuais é a regra no sistema jurídico brasileiro, sendo o sigilo uma exceção.
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