O MST restaura áreas danificadas da Mata Atlântica em Minas Gerais

O local de Dênis Gonçalves, na Mata Atlântica mineira, demonstra produção em consonância com a preservação ambiental.

18/08/2025 16:53

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O MST restaura áreas danificadas da Mata Atlântica em Minas Gerais
(Imagem de reprodução da internet).

Na antiga propriedade cafeeira Fortaleza de Santa Anna, na região da Zona da Mata de Minas Gerais, a paisagem se destaca pelas amplas áreas de mata preservada, com água em quantidade suficiente para atender às necessidades de consumo, produção e lazer das famílias. O território foi ocupado pelo Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem Terra.

No local, a produção de alimentos, por meio dos Sistemas Agroflorestais (SAFs), se combina com a criação de gado leiteiro, demonstrando a diversidade do assentamento Dênis Gonçalves, situado entre as cidades de Chácara e Goiana. A Mata Atlântica ainda persiste e é cultivada em conjunto com alimentos, conhecimentos e formas de vida.

A Mata Atlântica

A Mata Atlântica, com cerca de 1,3 milhão de quilômetros, é um dos biomas mais ricos em biodiversidade e, no Brasil, compreende a região entre o Rio Grande do Sul e o Rio Grande do Norte, estendendo-se também para áreas do interior do país, como Minas Gerais.

Apesar de ocorrer em 17 estados brasileiros, principalmente na zona costeira, o bioma, que compreende mais de 8 mil espécies vegetais nativas, conforme o Atlas dos Remanescentes Florestais da Mata Atlântica (2022), enfrenta riscos devido à mineração, à expansão urbana e ao agronegócio, que causam desmatamento ilegal, práticas agropecuárias predatórias e o estabelecimento de monoculturas de cana, café e eucalipto na área.

Com a experiência na exploração do agronegócio, no assentamento Dênis Gonçalves, se estabelece uma relação mais coletiva entre as pessoas e a natureza. Preservar os bens da natureza é, portanto, um compromisso das famílias.

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A relação entre o território, a natureza, a defesa da Mata Atlântica e o MST pode ser compreendida pelas histórias de vida dos sem-terra que ali vivem. Segundo Rogério Coutinho, militante do movimento e presidente da Coopermatas, uma das cooperativas da regional, o local é responsável pelo cuidado com o abastecimento hídrico e a alimentação escolar de parte da população da região.

Realizam-se entregas de mais de 1,5 toneladas de alimentos em quatro municípios da região. Nosso território é bastante rico, possuímos uma grande porção da Mata Atlântica e um dos maiores setores de água da região, que abastece quatro municípios, afirma.

Essa relação de coletividade, segundo Coutinho, só surgiu em sua vida a partir da organização do MST. Foi na luta pela terra, que ele aprendeu a importância de cuidar do bioma em que vive.

O MST também assumiu o compromisso de plantar árvores para preservar a Mata Atlântica. Esse princípio está presente em todas as nossas linhas de produção: no leite, no gado, nas hortaliças. Além de reflorestar, isso organiza nosso sustento, nosso modo de vida e nosso alimento.

Do sonho da agroecologia

O estado de Minas Gerais já teve 46% de seu território coberto pela Mata Atlântica. De acordo com dados do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE), atualmente o bioma representa apenas 10%, e está distribuído em áreas pequenas e fragmentadas. No assentamento Dênis Gonçalves, restou apenas uma parte da Mata Atlântica, que já foi expressiva na região.

De acordo com Júlia Guerra, ativista da área de produção do MST, ainda é possível observar a deterioração da antiga propriedade rural e há um grande volume de trabalho a ser realizado.

Apesar de mais da metade de nossa área estar preservada, as paisagens são muito degradadas devido a décadas de exploração, conforme relata.

A principal função das famílias estabelecidas é a coexistência sustentável. “Nosso desafio é recriar a Mata Atlântica de forma integrada aos sistemas de agrobiodiversidade. Não se trata apenas de manter a floresta intocada, mas de criar novas áreas de interação entre seres humanos, animais, cultivo e cultura”, afirma Guerra.

Ela, como coordenadora do viveiro de mudas do Assentamento, participa da rede de coletores de sementes da Mata Atlântica da região, um processo essencial para a recuperação do bioma. A ideia é multiplicar espécies nativas e criar agroflorestas produtivas, conciliando a conservação com o sustento.

O Ministério do Meio Ambiente (MMA) estima que a produção no bioma representa 70% do Produto Interno Bruto (PIB) brasileiro e que mais de 120 milhões de pessoas residem nos estados onde a Mata Atlântica se origina.

A Mata Atlântica abriga oito das doze bacias hidrográficas do Brasil, que são: Atlântico Nordeste Oriental, Atlântico Nordeste Ocidental, Atlântico Leste, Atlântico Sudeste, Atlântico Sul, Paraná, Paraguai e São Francisco.

Histórias

O bioma integra a rotina das famílias que residem na região, porém ganhou novos sentidos através do diálogo entre a agroecologia e a cooperação do MST. Um caso emblemático desse processo é o relato de Geraldo Majela dos Santos, agricultor do assentamento Dênis Gonçalves.

O agricultor relata que mantém desde a infância uma ligação profunda com a terra: “sempre tive o sonho de possuir um pedaço de terreno com um riacho passando em frente, com água limpa. Meus pais trabalhavam na agricultura e me levavam para caminhar nas florestas”.

Sua jornada com a agroecologia iniciou-se em conjunto com o MST, a partir da produção de milho crioulo na região Sul de Minas e de experimentos agroflorestais que integram café, mucuna e bananeira. Ele recorda uma entrevista que realizou para um projeto acadêmico sobre diálogo de saberes, com Seu Sebastião, do Sul de Minas.

Ele relata que, em sua juventude, a terra se dividia em áreas de campo, mata atlântica e cerrado. A mata atlântica era explorada e perdeu valor, sendo bastante degradada. Posteriormente, com a descoberta do calcário, o cerrado passou a ser valorizado para a agricultura. Contudo, essa valorização veio acompanhada da ocupação pelo agronegócio e da perda de frutos nativos como pequi, marolo e gabiroba, que tradicionalmente faziam parte da alimentação da população.

Para Júlia Guerra, a relação com a Mata Atlântica também é espiritual. “Eu tive um padrinho, Zé Antônio, que era raizeiro e benzedeiro. Ele me ensinou sobre plantas e raízes. Chamava seu conhecimento de ‘religião do caboclo’. Foi assim que criei meu vínculo com a mata”.

Rogério relata que a maneira como o MST se organiza para refletir sobre a relação entre o ser humano e a natureza é o que distingue o seu trabalho. Nascido no campo, o agricultor se conectou à luta pela terra devido à necessidade, porém, foi a nova abordagem da terra que o motivou a desenvolver a agroecologia em seu território.

Essas narrativas que permeiam a vida de indivíduos originários do campo ilustram a relevância da proteção dos territórios e da criação de modelos que se opõem à visão do agronegócio, que considera a natureza como bem comercial. Dessa forma, Majela continua apostando em sistemas que combinam produção e preservação da floresta.

Muitas pessoas acreditam que o solo que não produz soja é inútil, mas ele pode gerar caju e diversos outros alimentos. Com o manejo adequado para a criação de gado, por exemplo, é possível gerar água, alimento e cultura.

Para Júlia Guerra, a copaíba é um grande remédio, a seiva dela é sagrada.

A mata-feira é um alimento saudável na mesa.

As ações no território do MST na Zona da Mata mineira demonstram que conservar e restaurar a Mata Atlântica não é apenas sobre a preservação das árvores, mas é um compromisso com recuperar o que o agronegócio e o latifúndio destruíram. Para isso, na avaliação do movimento, é preciso criar sistemas produtivos que respeitam e fortalecem a biodiversidade, gerando água, alimento e cultura.

Fonte por: Brasil de Fato

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