O ano de 2025 será para sempre recordado. Não pela chegada do quarto século com avanços tecnológicos significativos em veículos elétricos e inteligência artificial, ou pelo elevado grau de passividade da humanidade e dos líderes mundiais diante do genocídio perpetrado pelo Estado de Israel, com a intenção deliberada de exterminar o povo palestino.
O ano corrente será eternamente recordado pelos ventos da nova ordem mundial que se origina do norte das Américas, sob a condução do líder norte-americano Donald Trump, que, descartando o multilateralismo no precipício, avança com passos amplos para restabelecer o modelo de relações internacionais entre os países, no qual prevalece quem detém o poder e obedece quem julga ser necessário para a sobrevivência.
Após se reerguer das consequências do pleito presidencial americano de 2024, com vitória expressiva sobre Kamala Harris, consolidou poder ao obter maioria na Câmara e no Senado, complementando seu ambicioso plano imperialista através do domínio político do Supremo Tribunal Federal.
Com a consolidação dessa hegemonia interna, o líder americano cruzou a fronteira e inaugurou globalmente o jogo de War, lançando os dados para estabelecer uma nova ordem mundial com a quebra do multilateralismo e a criação de práticas multipolares, sobretudo contra países emergentes como o Brasil.
Esta nova ordem, longe de ser totalmente inédita, ignora instituições como a Organização das Nações Unidas (ONU), Brics, Mercosul, Organização dos Estados Americanos (OEA) e a Organização Mundial do Comércio, adotando como estratégia de operação nas relações bilaterais a primazia do capital nos interesses, ainda que com elementos de questões políticas e culturais.
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O Brasil se encontra neste jogo de guerra de forma exclusiva selecionada por Donald Trump como alvo prioritário, devido à sua posição no hemisfério sul e à liderança do presidente Luiz Inácio Lula da Silva, que não apresenta compatibilidade ideológica com o capital e não se submete à subordinação dos países do Sul na economia global.
O posicionamento político do presidente dos EUA, Donald Trump, em relação ao Brasil reúne um conjunto de fatores que visa transformar o ambiente institucional do nosso país em um cenário ideal para diversos experimentos sobre o que pode ser a nova ordem mundial, além das relações econômicas.
A interferência orquestrada e deliberada dos Estados Unidos da América, até recentemente impensável, que consiste em aplicar sanções a membros do Sistema de Justiça, incluindo oito ministros do Supremo Tribunal Federal e o Procurador-Geral do Ministério Público Federal, se insere em um cálculo para avaliar questões-chave para uma nova ordem.
Não é suficiente obter a menor ou melhor taxação de produtos e segmentos econômicos, é necessário estabelecer os elementos-chave que assegurem a continuidade e a permanência da submissão, sobretudo dos países do Sul que historicamente foram subjugados como fornecedores na entrega de matérias-primas.
Um mundo capitalizado e globalizado, impulsionado, sobretudo, pelas grandes corporações de tecnologia, constitui o exército ideal para sustentar o projeto de hegemonização, atenuando a importância das democracias e dos direitos humanos em favor da ascensão e da dominação das forças econômicas em escala global.
A tentativa comprovada e concretizada de golpe de Estado liderada pelo ex-presidente Jair Bolsonaro, que teve seu ápice no dia 08 de janeiro de 2022, que hoje buscam reverberar nas redes sociais como um impulso de poucos idosos ingênuos, representa um capítulo de uma organização global do capital.
O aparente e peculiar apoio do presidente norte-americano Donald Trump e seus aliados, à condição criminosa do ex-presidente Jair Bolsonaro, tem como questão de fundo, não um pedido de anistia com defesa dos direitos humanos, mas um fortalecimento e incremento da ação de fragilizar a institucionalidade democrática do Brasil para que, enfraquecido, não cumpra o papel de país emergente com potencial de liderança, especialmente com a lógica do multilateralismo.
Dessa forma, é nesse contexto geopolítico que devemos nos mover neste tabuleiro de um jogo de poder mundial, onde as forças são desproporcionais e complexas.
Compreendemos que não existe alternativa senão à insistência e persistência renovada, recuperando valores que o projeto neoliberal em curso desconsidera – o Estado de direito, a democracia e os direitos humanos – e colocando-os como elementos centrais em uma disputa estratégica.
Recentemente, o Conselho Nacional de Direitos Humanos (CNDH) apresentou a Relatora Especial da ONU sobre a Independência de Juízes e Advogados, uma denúncia em relação às sanções econômicas aplicadas pelos Estados Unidos contra o Ministro Alexandre de Moraes, com base na Lei Magnitsky, que se fundamentam em direitos humanos.
Ademais do resultado esperado com um posicionamento institucional da ONU, a ação tomada pelo CNDH tem a capacidade de renovar posicionamentos necessários neste momento. A defesa da soberania em conjunto a um organismo multilateral, baseada na lógica do Estado de Direito para a defesa e garantia da autonomia de juízes de uma Corte Constitucional, constitui um elemento que nos assegura como nação e que não podemos abandonar.
Na continuidade das pressões sobre as relações diplomáticas com o Brasil, em 12 de agosto, o governo americano divulgou seu relatório anual sobre Direitos Humanos, emitido pelo Departamento de Estado dos EUA, que aponta o agravamento da situação dos direitos fundamentais no país em 2024, indicando de forma superficial e contraditória uma política de restrição à liberdade de expressão, citando como exemplo a condição do ex-presidente Jair Bolsonaro e seus integrantes de organização criminosa que promoveram uma tentativa de golpe de Estado contra a democracia brasileira.
Considerando o cenário, não há alternativa senão resistir e seguir uma estratégia de legitimação do processo, por meio da renovação de compromissos e da reafirmação institucional de valores como a democracia e os direitos humanos, confrontando os impactos e oscilações institucionais provenientes do norte das Américas.
É necessário buscar na sociedade civil organizada, por meio dos movimentos sociais, a construção de um projeto de fortalecimento da democracia com ampla participação social, promovendo uma mobilização que possa dar ao Estado brasileiro o norte necessário para seguir em frente, defendendo nossa soberania e não se curvando aos movimentos autocráticos que abandonaram o multilateralismo histórico e desejam se impor mundialmente pela força do capital.
Assim, é preciso abandonar uma postura reativa e reconhecendo a participação social como um pilar do Estado de Direito, é necessário agir e progredir no cenário deste jogo de poder global. Para tanto, devemos organizar com nosso contingente de princípios civilizatórios, como a democracia, os direitos humanos e o reforço do multilateralismo histórico.
Carlos Nicodemos é advogado, faz parte do Movimento Nacional de Direitos Humanos e atua como conselheiro no Conselho Nacional de Direitos Humanos (CNDH).
Este é um artigo de opinião e não representa necessariamente a linha editorial do Brasil do Fato.
Fonte por: Brasil de Fato