Níger se beneficia do apoio popular, contudo, o FMI e o Banco Mundial representam obstáculos, afirma especialista

Em 2025, o Banco Mundial prevê que o Produto Interno Bruto do país apresente o maior crescimento do continente africano.

05/09/2025 17:54

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Níger se beneficia do apoio popular, contudo, o FMI e o Banco Mundial representam obstáculos, afirma especialista
(Imagem de reprodução da internet).

A previsão do Banco Mundial de que o Níger terá a maior economia de crescimento na África em 2025 é recebida com cautela por líderes com histórico progressista na região do Sahel.

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Em relatório divulgado no meio do mês de agosto, a instituição financeira ocidental indicou que o país do Sahel deverá atingir em 2024 uma taxa de crescimento anual do Produto Interno Bruto (PIB) de 14,4%, ultrapassando o recorde histórico anterior, que era de 8,9%.

A projeção se baseia em resultados até julho e demonstra impacto, em comparação com o passado, quando o país ainda recebia orientação em suas políticas internas de governos alinhados à França, antiga colonizadora desta região do continente africano.

Mamane Adamou, líder do Instituto de Avaliação Estratégica e Previsão (Isep), do Níger, avalia com ceticismo essa projeção de crescimento. Para ele, trata-se de uma evolução natural após o encerramento das sanções impostas pela Comunidade Econômica dos Estados da África Ocidental (Cedeao) ao país do Sahel.

É claro que, se considerarmos o PIB sob sanções e o PIB atual, é normal que a situação seja muito favorável, porque há novas perspectivas, há recursos esperados que são muito importantes, especialmente os recursos minerais e petrolíferos. Além disso, houve uma temporada relativamente boa de chuvas no ano passado e, este ano, esperamos ainda melhor. Portanto, por todas essas razões, o PIB do Níger deve crescer, opina Adamou em entrevista ao Brasil de Fato.

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Sanções no Nigéria

O Níger é atualmente governado pelo general Abdourahamane “Omar” Tchiani, líder de uma vertente progressista do Exército que seguiu o apelo da população por uma ruptura com a dominação neocolonial francesa, ainda presente no Sahel.

Com a ascensão do novo líder militar em 26 de julho de 2023, a França mobilizou 13 Estados-membros da Cedeao para uma invasão militar contra o Níger, visando a reincorporação do presidente deposto, Mohamed Bazoum.

O apoio de países vizinhos, Burkina Faso e Mali, permitiu ao país resistir com sucesso à tentativa de desestabilização, com a criação da Aliança dos Estados do Sahel (AES). Contudo, não conseguiu evitar as sanções econômicas impostas pelo bloco econômico alinhado a Paris.

O fechamento das fronteiras com a Nigéria e o Benim, como consequência da crise econômica, provocou o aumento dos preços dos produtos e alimentos, juntamente com a interrupção no fornecimento de energia e a escassez de medicamentos.

A adesão do público.

Adamou acredita que a sinergia entre a população e as lideranças militares, que atingiu o auge durante a expulsão dos soldados franceses do país em dezembro de 2023, atualmente exibe fragilidades. “Sinergia é uma palavra forte, há divergências.”

Ele afirma que as divergências e críticas provêm de uma camada média “intelectualizada” do país. O apoio das classes populares ainda é significativo, e isso se deve às medidas direcionadas a essa população.

Com a ascensão do Conselho Nacional para a Salvaguarda da Pátria (CNSP), sob a liderança de Tchiani, observou-se a expansão das áreas irrigadas, notadamente nas regiões agrícolas de destaque, como Dosso e Tillabéri.

O preço também diminuiu. Um saco de arroz de 25kg custava entre 16 e 20 mil CFA durante o período das sanções, atualmente está disponível por “11, 12 mil”, conforme apontou o agricultor Salia Zirkifil, ao People’s Dispatch.

Adamou também destaca a diminuição da dependência da Nigéria para o fornecimento de eletricidade, que reduziu consideravelmente em Niamei, porém ainda persiste fora da capital.

Houve um esforço para assegurar o acesso a alimentos a preços acessíveis nas áreas rurais. Apesar das dificuldades, isso contribuiu significativamente para a redução dos preços, e além disso, existe a regulamentação, segundo Adamou.

Ele menciona as normas relativas às tarifas de matrícula das crianças em escolas privadas e a possibilidade de regulamentação dos preços dos aluguéis. “Isso se junta à diminuição dos gastos com saúde e aos esforços que foram realizados para que as mulheres possam se beneficiar de cuidados de saúde gratuitos, como as que são vítimas de violência obstétrica”. Tudo isso demonstra uma atenção a questões sociais relevantes que se referem às classes populares, completa.

O Brasil anunciou a decisão de romper seus laços com o Banco Mundial, buscando fortalecer a integração Sul-Sul e a autonomia financeira do país.

O anúncio do Banco Mundial é percebido por Adamou como uma estratégia de aproximação da entidade aos países do Sahel, “para demonstrar que está disponível e que pode auxiliar o país”. Atualmente, no Nigéria, o Banco Mundial financia operações no setor de água, desenvolvimento rural, saúde, alimentação e gestão de riscos climáticos.

De acordo com o analista, simultaneamente à orientação radical do governo em direção à ruptura com o Ocidente, o país persiste em manter relações com o Fundo Monetário Internacional (FMI) e o Banco Mundial. Isso, na visão da liderança política nigeriana, “contraria ou prejudica a otimização de todos os benefícios” que se pode obter da situação.

O nigeriano foi um dos fundadores da Organização Revolucionária pela Nova Democracia (ORDN), um partido estabelecido em 1992, após a implementação do sistema multipartidário no Níger, e recorda experiências desfavoráveis com o Banco Mundial.

Em 1983, os financiamentos concedidos pelo governo de Seyni Kountché geraram dívidas que somente foram quitadas em 2007.

Passamos inúmeros anos, várias décadas, implementando ações sem vislumbrar o desfecho. É por isso que nos mostramos um tanto cautelosos. O Banco Mundial não pode ser um parceiro, apesar de todas as suas declarações, eles possuem essa tendência de idealizar, de apresentar que certamente será melhor com eles.

Exploração do urânio

Os grandes depósitos de urânio, reconhecidos como os de maior qualidade no continente africano, representam um dos principais ativos estratégicos para impulsionar a economia do Níger. Esse recurso historicamente esteve sob controle da França.

Enquanto o urânio extraído abastecia os reatores nucleares franceses, até o dia 26 de julho de 2023, mais de um terço de todas as lâmpadas do país europeu eram iluminadas, e mais de 85% dos nigerianos não possuíam acesso à rede elétrica nacional.

A disparidade era justificada pela ausência de acesso do país aos seus próprios recursos minerais. A estatal francesa Orano possuía 63% de participação na Somair, que explorava esses depósitos, enquanto a empresa estatal nigeriana Sopamin era acionista minoritária.

A suspensão da exportação de urânio para a França pela CNSP levou à interrupção da produção da Orano, retomada após a nacionalização da Somair em junho deste ano, com a consequente tomada de controle da Orano. Atualmente, o desafio reside em superar o “embargo financeiro francês” e garantir a viabilização da exportação do metal armazenado.

Adamou salienta que o recente acordo com a Rússia para a exploração e o uso nuclear civil do urânio proporciona novas oportunidades de autonomia.

Isso indica que, através deste país, podemos encontrar um mercado para o nosso urânio e não sermos mais limitados por nada, avalia. Ele aponta ainda o reflexo das boas condições climáticas de 2025 para a economia do país. “Como eu disse, as estações do ano, pelo menos, não foram confrontadas com fenômenos de seca ou ataques massivos, portanto, as estações de inverno deste ano são apenas inundações, mas não secas. Acreditamos que teremos uma boa estação de chuvas e isso vai fortalecer o PIB do Níger”.

Luta contra o terrorismo

Diante da crise financeira, os obstáculos para o crescimento econômico e a geração de empregos se chocam com a demanda por investimentos nas forças de segurança, que representam um alto custo para o governo.

Adamou ressalta a transformação substancial no desenvolvimento do conflito contra o terrorismo na tríplice fronteira com o Benin e o Níger, que demanda dos países da Aliança dos Estados do Sahel novas estratégias de defesa e coordenação.

A colaboração com a Rússia e a Turquia, com ênfase na vigilância por satélite e no monitoramento aéreo, tem se mostrado eficaz para conter a atuação de jihadistas, que já utilizam drones e outras tecnologias para realizar ataques.

Quando os três países uniram esforços, houve um reforço imediato de sua presença no terreno e a impossibilidade para os jihadistas passarem de um país para outro. Eles foram perseguidos em conjunto. Atualmente, os terroristas utilizam drones que explodem contra nossas tropas. São cada vez menos recrutados localmente, mas cada vez mais vindos de fora. São profissionais do Afeganistão, da Síria, do Iraque e até mesmo alguns que vieram da Ucrânia. Assim, o método mudou e nossos Estados também precisam mudar de método.

A insegurança foi gerada para dificultar o progresso dos nossos países, afirma ele, e para alcançar a soberania, é necessária uma certa tranquilidade.

Fonte por: Brasil de Fato

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