MPF emite parecer favorável à comunidade ameaçada pela família Caiado em Goiás
Documento aponta a origem quilombola dos moradores da região; em agosto, foram vítimas de despejo.

O Ministério Público Federal (MPF) julgou procedente o pedido dos moradores da comunidade da Antinha de Baixo, em Santo Antônio do Descoberto (GO).
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As famílias reivindicam que as decisões relativas àquela área sejam julgadas no âmbito da Justiça Federal e não mais pelo estado de Goiás. O parecer, emitido na segunda-feira (8), representa mais uma vitória da comunidade na luta pela manutenção em suas terras, onde residem há décadas.
Considero de tamanha importância, porque, veja bem, nós estávamos com a situação crítica, muito crítica, porque já existia uma ordem de despejo, afirma Francisco Porfírio da Silva, líder comunitário e presidente da associação dos produtores rurais da comunidade.
As ameaças de despejo são da família Caiado, a mesma do governador do estado, Ronaldo Caiado (União), conforme divulgado pelo Brasil de Fato em reportagem exclusiva.
A defesa apresentada no parecer do Ministério Público Federal enfatiza a origem quilombola dos habitantes da Área. O documento cita um relatório preliminar de diagnóstico antropológico do Instituto Nacional de Colonização e Reforma Agrária (Incra), datado de agosto de 2025, que classifica a comunidade Antinha de Baixo como composta por descendentes de trabalhadores negros escravizados, com traços quilombolas e organização social própria relacionada ao território.
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A manutenção do processo de reintegração de posse na Justiça Estadual, sem considerar o caráter quilombola da comunidade envolvida e sem a remessa à Justiça Federal, viola frontalmente os direitos fundamentais do grupo étnico-racial minorizado e compromete a autoridade da decisão paradigmática, na medida em que desconsidera o procedimento de identificação, reconhecimento, delimitação, demarcação e titulação das terras ocupadas pelos remanescentes de quilombos já declarado constitucional pelo Supremo Tribunal Federal, ressalta o MPF. Os territórios quilombolas são de responsabilidade da União.
Edifícios destruídos.
A área em disputa possui pouco mais de 1,5 mil hectares e sustenta a vida de 400 famílias. Nessas terras, os moradores cultivam milho, mandioca e banana. Adicionalmente, existe um pequeno engenho de produção de rapadura. Muitos dos habitantes da comunidade são idosos que residem ali há sempre.
Em 4 de agosto, a comunidade foi vítima de uma ação de despejo que resultou na destruição de 32 residências. Em 5 de agosto, o ministro do Supremo Tribunal Federal (STF), Edson Fachin, ordenou a suspensão imediata da ordem de desocupação da Fazenda Antinha de Baixo até o julgamento do agravo regimental apresentado contra a decisão da Justiça Estadual do Goiás.
Em 29 de agosto, a 2ª Turma do STF julgamento unânime para manter a proibição da desocupação do território. Com o parecer do MPF, o STF decidirá se a competência daquela região é da União ou do estado de Goiás.
Revisar o ocorrido.
A controvérsia sobre as terras originou-se de um processo iniciado em 1945, quando Francisco Apolinário Viana, já falecido, proprietário da antiga fazenda Antinha de Baixo, entrou com uma ação de divisão de propriedade para regularizar sua posse sobre uma matrícula de um lote dentro da área, que até então estava registrada como pertencente a todo o território em questão.
O processo se estendeu por décadas sem resolução, até que, em 1985, familiares de Caiado entraram no processo, alegando descendência do proprietário original da área, um capítulo não disponível para visualização pública na página do Tribunal de Justiça de Goiás (TJGO) e, portanto, sem um registro digital de acesso público – a ação judicial que trata do caso só passou a ser digitalizada pela instituição a partir de 2019.
Maria Paulina Boss e Emival Caiado se habilitaram no processo ordinário após cerca de 40 anos do seu início e portando escrituras particulares sem domínio, uma situação que era vedada pelo artigo 967 do Código de Processo Civil de 1973 [em vigor na época]. Eles não possuíam o título de registro de imóveis. Um dos herdeiros de Maria Paulina Boss é o ex-advogado e desembargador do TJGO Breno Caiado, primo do governador de Goiás. Breno chegou a atuar como advogado no âmbito do processo em nome da família há alguns anos.
Em 1995, a sentença transitou em julgado, porém, na década de 1990, uma decisão judicial beneficiou a família, sem ser executada. Posteriormente, em 2015, o processo de cumprimento da sentença retomou.
Fonte por: Brasil de Fato