A Rua e o Futuro da Cidade
A famosa cantiga popular, “Se essa rua, se essa rua fosse minha…”, nos ensina que aquilo que pertence a todos deve ser cuidado com delicadeza. No entanto, o que acontece quando essa rua deixa de ser nossa? Quando se transforma em um corredor vigiado, cercado por câmeras, portarias e muros invisíveis, desenhados por planilhas de rentabilidade? O desejo de ladrilhar o chão com pedrinhas de brilhante – gesto de afeto e pertencimento – dá lugar ao cálculo que mede cada metro quadrado em cifras e cada corpo que passa em risco.
A Privatização do Espaço Público
Conforme reportagem da jornalista Priscila Mengue, publicada no Estado de S. Paulo, “São Paulo tem um ‘boom’ de venda de ruas”. A onda de privatização de vielas na capital não é um episódio isolado, mas parte de uma dinâmica que transforma o que é compartilhado em ativo contábil sob controle empresarial. Nesse deslocamento, não desaparecem apenas traços do mapa: apaga-se o que sustenta a convivência entre diferentes.
As Consequências da Privatização
A questão vai além da discussão do valor pago aos cofres públicos. É preciso compreender que estamos diante de um dos “cercamentos” contemporâneos: se, nos séculos passados, cercavam-se campos e bens que sustentavam comunidades, hoje cercam-se vielas e praças. Não com cercas, mas com decretos, projetos de lei e contratos que transferem a gestão da vida pública ao comando do interesse privado. O artigo lembra que “a palavra-chave é reversibilidade”. O que se observa é o oposto: a supressão de um palco da cidadania e a restrição do acesso comum.
Um Desafio para o Futuro
O desafio não é impedir a transferência da próxima viela em pauta. É ampliar o debate e perguntar: o que estamos decidindo construir para as próximas gerações? Uma rede de muros e direitos limitados ou um meio em que o que pertence a todos permaneça democrático, aberto e vivo?
O Significado da Rua
Talvez seja hora de lembrar novamente a cantiga: “Se essa rua, se essa rua fosse minha…”. Ela não falava de propriedade, mas de cuidado; não sobre muros, mas sobre pertencimento. Hoje, ao transformar caminhos compartilhados em corredores controlados, deixamos de ladrilhar o chão com pedrinhas de brilhante e o pavimentamos com dispositivos de vigilância. A via vendida não apaga um traço do mapa – redefine o sentido da convivência. E se essa rua deixar de ser nossa, o mapa inteiro corre o risco de não nos pertencer mais.