Matias Aires questiona a vaidade humana em sua obra de 1752. O filósofo luso-brasileiro observa a aparente humildade e a possível vaidade por trás dela
A admiração pela vida de uma pessoa, considerada sábia, profunda e simples, despertou uma reflexão inesperada. A aparente ausência de redes sociais, a falta de um celular e a escolha de uma vida apartada do “burburinho insano” intrigaram. A vaidade, inevitavelmente, surgiu como uma pergunta: “Mas por que ela é tão vaidosa?”.
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O mundo quase desmoronou diante dessa indagação. A ousadia de questionar a humildade de alguém tão aparentemente modesto gerou um paradoxo. A observação de pessoas abastadas, vestindo roupas inadequadas, utilizando carros antigos e ignorando o conforto da tecnologia, sempre despertou curiosidade.
Por que não investiam em automóveis de melhor qualidade, roupas mais elegantes ou utilizavam celulares e relógios? A resposta era simples: não precisavam. Estavam acima dessas necessidades comuns, demonstrando uma postura que gerava questionamentos.
A rotina da pessoa, com roupas amarrotadas, um carrinho velho e barulhento, e a indiferença aos horários e mensagens, levantava a questão: humildade ou vaidade? O contraste era evidente. Se essa pessoa rica e poderosa, demonstrasse ostentação com um bom carro, roupas elegantes e um relógio exclusivo, a atenção seria ainda maior.
A simplicidade, o desinteresse e a desajeitada eram vistos como sinônimo de humildade, mas a dúvida persistia: seria reflexo de uma profunda vaidade?
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A obra de Matias Aires, escrita em 1752, aborda esse tema complexo. O filósofo luso-brasileiro, nascido em 1705 e falecido em 1763, escreveu “Reflexões sobre a vaidade dos homens”, uma obra que atravessou os séculos e chegou até nós. Em um trecho da sua publicação, ele afirma: “Com todas as paixões se une a vaidade; a muitas serve de origem principal; nasce com todas elas, e é a última, que acaba: a mesma humildade, com ser uma virtude oposta, também costuma nascer de vaidade; e com efeito são menos os humildes por virtude, do que os humildes por vaidade; e ainda dos que são verdadeiramente humildes é raro o que é insensível ao respeito, e ao desprezo, e nisto se vê, que a vaidade exercita o seu poder, ainda donde parece, que o não tem.”
A reflexão de Matias Aires nos convida a observar a “verdadeira face”, pois “a mesma humildade, com ser uma virtude oposta, também costuma nascer de vaidade”. Ele não generaliza, mas aponta o dedo e toca a ferida, mostrando que, por trás de uma face aparentemente humilde, pode resistir uma forte vaidade.
Essa característica é comum aos homens, independentemente de sua origem ou natureza, e, quando não pode ser camuflada, expõe quem se desnuda e se desprotege.
A fábula de “O jardim das rosas”, de Saadi, traduzida por Aurélio Buarque de Holanda Ferreira, ilustra essa situação: “Um rato faminto girava em torno de uma noz. Do interior da noz um verme lhe disse: — Não nos leves! Eu comi toda a polpa deste fruto, e tu te arrependerias de tocar nele.
O rato refletiu: — És gordo ou magro? E o verme vaidoso respondeu: — Sou gordo, e nada mais quero da vida. — Muito bem, disse o rato. Espero que a tua gordura tenha sabor de noz. Roeu a casca, tirou o verme e o comeu.”
Essa reflexão nos permite entender por que homens endinheirados, dotados de muitas posses, preferem demonstrar sua vaidade com o disfarce da humildade, pois, como vimos, mesmo na opulência, é recomendável que se permaneça na modéstia. A verdadeira questão reside em discernir se, por um ou outro motivo, o que se esconde por trás da humildade não é, na verdade, apenas vaidade.
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