Maduro mobiliza militares e civis na Venezuela e intensifica discurso de defesa contra ameaça EUA. Leia no Poder360.
O presidente venezuelano Nicolás Maduro (PSUV, esquerda) tem tomado medidas para fortalecer a defesa nacional, em resposta a temores de uma operação militar dos Estados Unidos. A mobilização de civis e militares para a defesa da nação se manifesta em um cenário de crescente tensão, evidenciado pela efervescência dos canais oficiais do governo bolivariano.
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Um dos aspectos mais notáveis é o conteúdo das mensagens veiculadas nos últimos dias, que abordam a defesa nacional. Em um vídeo, civis são treinados em sistemas de armamentos antitanques, conforme explica um oficial da Força Armada Nacional Bolivariana (FANB). Nas semanas anteriores, a distribuição de armas a civis comprometidos com a defesa da Venezuela contra uma “guerra não declarada” por parte dos Estados Unidos ganhou destaque.
Essa estratégia distanciou-se de um cenário de guerra convencional, evocando formas de resistência arraigadas no apoio da população civil – uma doutrina de defesa territorial desenvolvida ao longo dos últimos 20 anos que poderia estar a ponto de ser testada pela primeira vez. O presidente Maduro ressaltou a influência de obras que “alimentaram nossa doutrina militar”, ambas ensinamentos sobre os fundamentos da guerra assimétrica do ex-líder revolucionário e presidente do Vietnã, Ho Chi Minh, e do general vietcongue, Vo Nguyen Giap.
“Hoje estamos dando um passo transcendental, um passo para que toda Venezuela […] se articule na defesa do direito à paz, em defesa da Venezuela, em defesa da integridade territorial, das riquezas naturais”, disse Maduro. “E para isso temos que nos unir, como dizia Ho Chi Minh, unir a todos contra o inimigo principal”, afirmou.
A doutrina militar venezuelana tem origens no cenário pós-golpe de 2002, quando o governo George W. Bush e os militares norte-americanos classificavam Chávez como uma das maiores “ameaças aos interesses americanos” no hemisfério. Compreendendo que as maiores ameaças à integridade venezuelana eram um conflito assimétrico com os Estados Unidos ou um enfrentamento convencional com a Colômbia – à época aliada de Washington–, Chávez empreendeu uma transformação das forças armadas venezuelanas. Isto incluiu a expansão, modernização e armamento das capacidades defensivas para fazer frente às ameaças tradicionais, além de uma série de inovações baseadas em preceitos de guerra popular para fazer frente às ameaças assimétricas.
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A “guerra popular e prolongada” é uma estratégia maoista, amplamente teorizada e aplicada pelos revolucionários vietnamitas, cujo princípio da assimetria e da irregularidade das formações determinam as estratégias do campo de batalha. Para citar uma das adaptações, enquanto a guerra tradicional envolve o controle de posições, a guerra assimétrica aceita a perda de território em um momento inicial a fim de armar a resistência e engajar o inimigo em uma guerra de desgaste a longo prazo. O objetivo não é vencer de um golpe só, mas tornar a guerra insustentável para o inimigo, a exemplo dos conflitos no Iraque e no Vietnã.
Na Venezuela, o conceito foi articulado a partir de 2004 por meio do chamado “Novo Pensamento Militar”, sob o fantasma da invasão do Iraque em 2003. Não por acaso uma das influências sobre o pensamento militar venezuelano à época foi o cientista político espanhol Jorge Verstrynge, cujo livro sobre Islã e guerra periférica foi distribuído a dezenas de milhares de oficiais venezuelanos. A Milícia Bolivariana, criada oficialmente em 2008 a partir da expansão das forças de reserva militar nos anos anteriores, é, em tese, a encarnação dessa doutrina. A milícia incorpora a população civil em tarefas de mobilização revolucionária e defesa nacional, valendo-se de um princípio contido na Constituição de 1999 sobre a “corresponsabilidade” de civis e militares pela defesa nacional.
De 1,6 milhão de membros em 2018, segundo números oficiais, passou a 5 milhões em 2024. Em agosto de 2025, o governo anunciou que a meta é mobilizar um total de 8,5 milhões de cidadãos, embora o número de tropas com apresto para combate fique provavelmente nas dezenas de milhares. Mas o objetivo desta força não é duplicar o poder convencional das Forças Armadas, e sim oferecer capilaridade ao sistema de defesa territorial, aproveitando o conhecimento geográfico detalhado das comunidades para reforçar a resistência a nível hiperlocal. Na eventualidade de um conflito, é provável que uma grande parte dos milicianos e milicianas, em vez de pegar em armas, se dedicasse ao que o governo chama de “inteligência popular” – principalmente os alistados mais velhos.
Existem, é claro, enormes incertezas sobre um cenário de conflito EUA-Venezuela, porque vários fatores carecem de definição em ambos os lados. Do lado venezuelano, a coordenação civil-militar em um cenário de conflito é uma tarefa extremamente complexa. Exercícios militares como o Escudo Bolivariano, que mobiliza centenas de milhares de tropas das forças convencionais, da Milícia Bolivariana e efetivos policiais, simulam ações prováveis, como incursão estrangeira, sabotagem e emergências, mas esta logística nunca foi testada na prática. Outra incerteza é sobre a coesão dos combatentes em um cenário de conflito. Fatores como grau de profissionalização, compromisso ideológico, patriotismo, disciplina e organização são decisivos. Cada um determina, à sua maneira, o comportamento das tropas no campo de batalha. Pode o comprometimento ideológico dos milicianos compensar as suas carências em profissionalismo? Estariam os oficiais subalternos das tropas profissionais dispostos a defender um governo acusado de subverter um resultado eleitoral legítimo? Abrir-se-ia um risco de golpe? Do lado norte-americano, não existe clareza sobre qual seria o plano de Donald Trump (Partido Republicano) para a Venezuela. Assumindo que o objetivo de Washington é instalar um governo Edmundo González ou Maria Corina Machado no Palácio de Miraflores, como garantir a sobrevivência e a viabilidade de tal governo nos dias, semanas e meses subsequentes à tomada de poder? Como garantir que não haveria contragolpe ou golpe dentro do golpe?
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