Machado de Assis antecipou Freud? Pesquisador Rossi prova que o “Bruxo do Cosme Velho” já dissecava o inconsciente e o narcisismo, décadas antes da psicanálise. Evidências em “O Imortal Machado de Assis”
A provocação de que Machado de Assis antecipou os conceitos de Sigmund Freud parece ousada, mas é o que defende o pesquisador Adelmo Marcos Rossi no livro “O Imortal Machado de Assis – Autor de Si Mesmo”. Após quase 15 anos de pesquisa, Rossi reuniu evidências de que o autor carioca —conhecido como o Bruxo do Cosme Velho, em alusão à casa onde viveu no Rio de Janeiro— já dissecava os mesmos dilemas, desejos e contradições que a psicanálise descreveria com termos técnicos décadas depois.
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Rossi não veio da literatura, e talvez por isso enxergue o óbvio que passou despercebido por tanto tempo. Engenheiro civil, psicólogo e mestre em filosofia, ele levou para os a curiosidade de quem quer entender o ser humano por dentro. Seu livro mostra como o escritor, ainda no século XIX, tratava o narcisismo com um tipo de franqueza impossível para a ciência da época. “Há uma vergonha em admitir o narcisismo em si mesmo”, diz Rossi. “Machado e soube transformar o tema em arte — Freud, como cientista, só pôde abordá-lo mais tarde e de forma indireta.”
Ao reler Machado por esse prisma, Rossi propõe algo instigante: talvez a literatura tenha chegado primeiro à alma que a própria ciência. Em tempos de egos inflados e redes sociais, Rossi lança um lembrete com sabor machadiano: o narcisismo continua por aí —só ficou mais digital.
Antes de Freud nomear o conceito em 1914, Machado já escrevia sobre personagens devorados pela própria vaidade. Em contos como Três Tesouros Perdidos (1858), o espelho não é só um objeto — é um campo de batalha. Rossi lembra que Machado via o narcisismo como algo inevitável, um ingrediente do próprio ato de existir, enquanto a filosofia tentava recusar o tema como pecado.
Para Rossi, a frase resume um pensamento que a psicanálise transformaria em método: falar é terapêutico. Machado, ainda no século XIX, parecia já enxergar na conversa franca uma forma de aliviar o sofrimento.
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Ao afirmar que “uma sensação vale um raciocínio”, Machado antecipava a grande virada freudiana — a de que há algo em nós que escapa ao controle racional. Ele intuía que o ser humano age, muitas vezes, por impulsos que desconhece, e fez disso o motor de seus personagens mais complexos.
Rossi aponta que Machado dominava a ironia como poucos, e a usava para dizer o indizível. Essa “petalogia” — termo que ele próprio usava — lembra muito os chistes de Freud, as piadas reveladoras que deixam o inconsciente escapar. Cada tropeço de personagem, cada frase atravessada, era uma fresta para o que se escondia sob o verniz da razão.
Antes que Freud descrevesse o fenômeno em consultório, Machado já o dramatizava na literatura. As amizades intensas, como entre Bento e Escobar, carregam essa confusão entre afeto e projeção — um amor que transcende a amizade, movido pela necessidade de se ver no outro.
Desejo versus repressão Entre o querer e o dever, os personagens machadianos vivem apertados. Rossi mostra que essa tensão — desejo versus norma — é o coração tanto da ficção machadiana quanto da teoria freudiana. É nesse confronto, diz ele, que nascem os sintomas, as neuroses e, claro, as grandes histórias.
Em vez de bisturis e diagnósticos, Machado usava a pena. Para ele, a arte dava conta de mergulhar na alma humana de forma mais completa que a ciência. Rossi defende que o escritor carioca fez, com palavras, o que Freud faria com conceitos: abrir passagem para o inconsciente.
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