Federação de Favelas do RJ enfrenta risco de despejo do prédio com sede histórica, alvo de perseguição durante a ditadura
O imóvel localizado na Praça da República está listado como bem público para venda, por determinação de Cláudio Castro (PL).

A mais antiga Federação de Favelas do país, localizada no centro do Rio de Janeiro, poderá ter sua sede histórica vendida em razão de uma proposta do governador Cláudio Castro (PL) que ignora a recomendação do Ministério dos Direitos Humanos e da Cidadania (MDHC). Há cerca de um ano, um parecer inédito da Comissão de Anistia reconheceu que a entidade sofreu perseguição política nos anos 1960, durante a ditadura militar.
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O prédio público ocupado pela Faferj figura na lista de Castro para venda, por meio do Projeto de Lei Complementar 40/25, proposto pelo executivo à Assembleia Legislativa do Estado do Rio de Janeiro (Alerj), sob a alegação de que “geram mais despesas do que receitas”.
Atualmente, a Faferj engloba mais de 800 associações de moradores de favelas no Rio de Janeiro, promovendo o fortalecimento da organização comunitária nos territórios, além de fornecer serviços essenciais para assegurar direitos, incluindo a tarifa social e assistência jurídica. Continua sendo uma das entidades mais relevantes no debate sobre a política de segurança pública do estado.
Patrimônio da cidade
Ao Brasil de Fato, o diretor da Faferj, Gabriel Siqueira, declarou que o posicionamento da entidade pode ter influenciado a inclusão da sede na lista de imóveis que Castro pretende vender. A atuação da Faferj é amplamente reconhecida no cenário político, inclusive com homenagens recebidas no ano anterior.
A Federação de Favelas, por ter natureza de oposição ao governo fascista do Rio de Janeiro, tem sofrido retaliações e perseguições. O edifício é considerado patrimônio histórico de memória da luta das favelas do Rio de Janeiro. Diante disso, acredita-se que se trata de uma atitude fascista, unilateral e arbitrária por parte do governador, cujas críticas são motivo para nos perseguir.
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Pedro Monforte, diretor do Sindicato dos Engenheiros (Senge-RJ), aponta inconsistências técnicas na alienação de bens históricos da cidade. A edificação que acolhe a sede da Federação, localizada na Rua 24 da Praça da República, encontra-se tombada por legislação municipal desde 2023.
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Monforte questiona se o governador pretende explorar economicamente um patrimônio histórico e cultural da cidade. É mesmo que haja demanda do mercado por adquirir um imóvel com restrições arquitetônicas. O que uma empreiteira pretende fazer com um prédio antigo que deve ser conservado?
Memória e reparação.
O relatório sobre os crimes praticados pelo Estado brasileiro durante a ditadura militar contra os moradores de favelas foi produzido pela Comissão da Verdade do Rio de Janeiro e fundamentou o pedido inédito de anistia coletiva da Federação de Favelas. Um dos responsáveis por essa análise foi o historiador Lucas Pedretti, que considera a atuação do governo estadual como um retrocesso em relação à reparação.
O Estado não cumpre a recomendação da Comissão de Anistia, como tenta aprofundar e retomar essa perseguição a entidade por meio dessa venda flagrantemente ilegal e ilegítima. A sede ocupada pela Faferj há algumas décadas cumpre um papel fundamental para a atuação cotidiana da entidade, que presta serviços públicos relevantes relacionados às eleições nas associações de favelas, à tarifa social da água.
É uma entidade fundamental para assegurar o direito à cidade, o direito à livre associação e para representar o povo preto, o povo favelado, defendendo seus interesses. Nesse sentido, é muito grave que o Estado do Rio de Janeiro esteja indo na contramão do reconhecimento oficial da Comissão de Anistia, que era exatamente na direção de garantir uma reparação a Faferj pela perseguição durante a ditadura, completa Pedretti.
A primeira sede da Faferj foi assaltada em 1965, durante o regime militar. O prédio antigo abriga atualmente a administração regional da prefeitura do Rio, localizada na Rua República do Líbano, no centro. Diante da inviabilidade da restauração do imóvel original, a Faferj reivindica que o Estado apresente um novo local.
A partir de outubro de 2024, tramita uma negociação com a Secretaria de Patrimônio da União (SPU-RJ) para a doação gratuita de um novo edifício, no âmbito do programa federal Imóvel da Gente, que atenda às necessidades da Faferj para sua sede. O Brasil de Fato requisitou informações sobre o desenvolvimento da política, porém não obteve resposta do órgão.
Liberdade concedida a todos.
Os primeiros atos da Fafej remontam à luta contra as remoções forçadas no Rio de Janeiro. Nos anos de chumbo, além de perder a sede, a organização teve dirigentes presos e era considerada subversiva. Até meados dos anos 1988, a Fafej permaneceu na clandestinidade, sendo alvo de perseguições políticas pela atuação contra violência policial e defesa dos direitos humanos nas favelas.
A sede atual na Praça da República era um imóvel da União que passou para o estado e, estando abandonado, a Federação ocupou de forma pacífica nos anos da redemocratização, explica Gabriel Siqueira, diretor da Faferj. “O regime considerava atividade subversiva entre os favelados e fechou a sede da Federação com dois anos da sua fundação. Documentos mostram que a instituição permaneceu monitorada pelo Dops mesmo depois de ter acabado o regime militar”, afirma.
A Fafaerj foi a primeira organização de favela a obter anistia coletiva pelas perseguições vivenciadas durante a ditadura militar, um momento crucial para a reparação da memória histórica do país, retomada no governo Lula (PT) em 2023. O reconhecimento da situação pela Comissão de Anistia do Ministério dos Direitos Humanos e da Cidadania (MDHC) aconteceu há cerca de um ano.
Fomos anistiados pela Comissão da Verdade devido aos danos e às mortes de companheiros. A anistia exige que o governo dê uma sede para a Faferj, mas o governo estadual não está respeitando isso e colocou nossa sede à venda. É um absurdo com um prédio de 60 anos e com a instituição de 63 anos que faz um trabalho social de primeira linha, afirmou à reportagem Rossino de Castro Diniz, de 70 anos, presidente da Faferj.
A comissão recomenda uma série de medidas simbólicas para reparar as injustiças sofridas por vítimas de perseguições, mesmo sem previsão de reparação econômica. Entre as propostas, destaca-se a criação da sede da Faferj no centro do Rio, o fortalecimento do plano de redução de letalidade policial, determinado no julgamento da ADPF 635, também conhecida como ADPF das Favelas, e outras ações.
Outro lado
A Governança do Estado do Rio de Janeiro declarou que o imóvel encontra-se ocupado irregularmente pela Federação, que não buscou formalizar seu uso junto ao Estado. Em 2021, a Faferj entrou com uma ação de usucapião, porém esta foi extinta. De acordo com o governo, isso comprova a titularidade estadual do imóvel, inclusive para a cobrança de aluguel.
Em 2018, foi emitida a Notificação de Ocupação Irregular e determinada a Taxa de Ocupação, com previsão de cobrança a partir de 2019. Entretanto, não houve pagamento da taxa nem recebimento das notificações. Na última vistoria realizada em 2024, o Governo constatou que o edifício não vem recebendo os cuidados necessários para sua conservação.
Função social
A lista de 48 imóveis que o governo do Rio pretende licitar inclui ocupações organizadas por movimentos sociais, projetos sociais, escolas e até mesmo o histórico palacete do Museu Casa da Moeda do Brasil, localizado próximo à Faferj na Praça da República, conhecido popularmente como Campo de Santana.
O texto encaminhado à Alerj, Cláudio Castro (PL) defende que o Regime de Recuperação Fiscal exige a diminuição dos gastos com manutenção do setor público, de forma que a destinação de imóveis não utilizados para fins governamentais possa contribuir significativamente para isso, além de impulsionar a arrecadação para os estados.
A Comissão de Defesa dos Direitos Humanos e Cidadania da Alerj (CDDHC) conduziu, na última semana, uma inspeção em imóveis ocupados por coletivos e organizações sociais, como parte de um esforço para verificar o caráter social desses imóveis.
Esses imóveis não estão abandonados e desempenham uma função social essencial, atendendo mulheres, a população LGBTQIA+ e movimentos de direitos humanos e democracia, declarou a deputada Dani Monteiro (Psol), presidente da Comissão.
Deputados e suas equipes visitaram locais como a Casa Almerinda Gama, do Movimento de Mulheres Olga Benário; o Grupo Tortura Nunca Mais, referência na luta por justiça e memória; e a Casa Nem, espaço de acolhimento e proteção da população LGBTQIA+, todos situados na capital do estado do Rio de Janeiro.
Fonte por: Brasil de Fato