O vídeo do youtuber Felipe Bressanim (mais conhecido como Felca) sobre a exploração e a sexualização de crianças e adolescentes nas redes sociais se espalhou além da internet e tornou-se tema em programas de televisão aberta, no Congresso Nacional e na Esplanada dos Ministérios.
A Felca destacou crianças e adolescentes que se tornaram alvos de exploração e de redes de pedófilos em plataformas digitais, por meio de conteúdos chocantes de natureza sexual, frequentemente incentivados e até mesmo produzidos e divulgados pelos próprios responsáveis.
Com a exposição de seus corpos e atitudes adultas na internet, crianças e adolescentes sofrem prejuízo em seu desenvolvimento. Tornam-se vítimas de criminosos, vivenciando consequências físicas e emocionais que podem ser irreversíveis.
Nathália Braga, produtora do documentário Infância em Caixa, sobre o impacto e os riscos da indústria de crianças influenciadoras, afirma que uma das consequências “é que as crianças começam a ver os seus pais e responsáveis de outra forma, principalmente nos casos mais graves”. Isso gera “um grande conflito de interesse, porque a pessoa que deveria te acolher e estar atenta a todo um cenário de riscos, está gerenciando o conteúdo”, disse ao BdF Entrevista.
No documento, Braga apresenta outros contextos, como situações em que “crianças se tornam vítimas de bullying e hipersexualização, tendo sua imagem distorcida, associadas a assuntos e questões pertencentes ao universo adulto”.
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Braga afirma que essas crianças, adolescentes e jovens adultos frequentemente adotam uma postura sexualizada como a única maneira de se comunicar, o que é limitador e triste. Ele ressalta que, para se posicionarem no mundo, é necessário um manejo e uma versatilidade psicológica maiores, visando uma vida de qualidade.
Itamar Gonçalves, superintendente de advocacy da Childhood Brasil, declara que a internet deve ser considerada “uma grande praça pública”, o que “exige muitos cuidados, como qualquer outra forma de encontro”.
“Diz-se para as crianças não conversarem com estranhos ou não aceitarem presentes de desconhecidos. A internet é esse mundo virtual, mas que faz parte do mundo real e, como tal, traz perigos”, afirma Gonçalves, que também é pós-graduado em Violência Doméstica contra Crianças e Adolescentes pela Universidade de São Paulo (USP).
Sites, indivíduos e redes criminosas operam para ludibriar, atrair e levar crianças e adolescentes a acessar conteúdos inadequados, como pornografia. Além disso, podem ser incentivados a enviar fotos e informações pessoais com intenções questionáveis. Pode ocorrer o abuso e a exploração sexual de crianças e adolescentes por meio de ferramentas como bate-papos, salas de chats, e-mails, sites de relacionamento, entre outros.
Estatuto da Criança e do Adolescente
Os casos apontados por Felca como exploração de menores já estão sob investigação das autoridades competentes. Contudo, o debate em relação a eles ainda deve se intensificar. Segundo o advogado Ariel de Castro Alves, a produção ou gravação de cenas de sexo explícito ou pornográfico envolvendo criança ou adolescente pode resultar em pena de reclusão de quatro a oito anos, conforme o Estatuto da Criança e do Adolescente (ECA). Da mesma forma, submeter criança ou adolescente sob sua autoridade, guarda ou vigilância a vexame ou a constrangimento implica em detenção de seis meses a dois anos.
Hytalo Santos, advogado e membro da Comissão de Defesa dos Direitos da Criança e do Adolescente (CDDCA) da Ordem dos Advogados do Brasil (OAB), pode responder por dois crimes. Com 20 milhões de seguidores, ele é acusado de exploração infantil, corrupção e aliciamento de menores pelo Ministério Público da Paraíba (MP-PB).
Santos promoveu um tipo de programa de televisão que expunha crianças e adolescentes na internet em contextos sexualizados e com consumo de álcool. Uma das participantes mais conhecidas da “Turma do Hytalo” é Kamylinha Santos, de 17 anos, que desde os 12 anos está presente nos vídeos do influenciador. Em um dos vídeos, por exemplo, a jovem aparece vestindo poucas peças de roupa enquanto dança no colo de outro adolescente, recebendo aplausos de adultos.
O ECA assegura a proteção completa de crianças e adolescentes, incluindo a proteção da imagem, a garantia dos direitos ao respeito, à dignidade e o fim de que não sejam submetidos a qualquer tipo de abuso, exploração, violência e opressão, conforme afirma Alves.
O advogado afirma que elas frequentemente estão sujeitas a violações por meio da produção de conteúdos na internet ou exposição nas redes sociais, alertando que, em muitos casos, há envolvimento dos pais ou responsáveis pelas crianças.
A produção de conteúdo na internet, incluindo vídeos, fotos e material de exploração sexual, é proibida para menores de 16 anos e deve ser fiscalizada pelo poder público, declarou.
Serão implementadas as seguintes ações.
Ariel de Castro Alves sustenta que o Brasil necessita avançar urgentemente na regulamentação do uso da internet e das redes sociais por crianças e adolescentes, incluindo o controle de aplicativos e jogos. Ele propõe a criação de uma classificação indicativa sobre o que é apropriado ou não para menores de idade e ressalta que os responsáveis legais devem monitorar e orientar o uso, estabelecendo limites conforme as diretrizes do Conselho Nacional dos Direitos da Criança e do Adolescente (Conanda) e de órgãos que abordam o uso seguro da internet.
O especialista ressalta que já existem resoluções do Conanda e um guia publicado pelo governo federal sobre a proteção online de crianças e adolescentes, mas defende que o tema seja incorporado como disciplina obrigatória desde a educação infantil, com foco especial no ensino fundamental e médio.
Itamar Gonçalves, da Childhood Brasil, também destaca a importância de responsabilizar as plataformas digitais pelos conteúdos publicados e pela punição daqueles que publicam e compartilham conteúdos inadequados de menores de idade. Ele considera essencial a criação e aplicação rigorosa de ferramentas capazes de identificar e reportar a presença de usuários que não deveriam estar conectados.
Gonçalves também defende que as empresas de tecnologia devem assumir um papel mais ativo na proteção de crianças e adolescentes. Para isso, as próprias plataformas devem ser fontes de orientação e segurança para todos os usuários, oferecendo recursos que auxiliem pais e responsáveis a mediar o acesso dos mais novos.
O Congresso Nacional analisa algumas iniciativas que abordam essas questões defendidas. Dentre elas, o projeto de lei 2628/2022, do senador Alessandro Vieira (MDB-SE), que versa sobre a proteção de crianças e adolescentes em ambientes digitais. O texto será discutido na Comissão de Comunicação, antes de ser votado no plenário do Senado.
Para Itamar Gonçalves, afirma que não basta aprová-la, mas regulamentá-la e reservar o orçamento necessário para a sua implementação. “Para tirarmos essa lei do papel, tem que virar um plano de ação, tem que ser pensado com as diretrizes de uma política nacional no campo da prevenção e proteção de crianças. E mais do que nunca estar no orçamento público e com a participação de todos os setores. Caso contrário, a gente vai continuar enxugando gelo em razão da escala que nós temos de violências em nosso país.”
Repercussão
Após a publicação do vídeo, o tema foi levado ao Congresso Nacional. O presidente da Câmara, o deputado Hugo Motta (Republicanos-PB), declarou em seu perfil no X que irá dar andamento à questão nesta semana.
O vídeo do Felca sobre a exploração sexual de crianças causou indignação e despertou a atenção de milhões de brasileiros. Trata-se de uma questão urgente que impacta profundamente a nossa sociedade. Na Câmara, há uma série de projetos relevantes sobre o tema. Nesta semana, vamos debater e abordar essa discussão. Agradecemos ao Felca. Conte com a Câmara para promover a proteção das crianças.
Hytalo desmentiu as acusações. A mãe de Kamylinha, Francisca Maria Lira, também se manifestou a favor do influenciador. “Estou com você até o fim. Podem falar o que quiserem, ninguém sabe da vida de ninguém, só sabem o que a gente posta. E Deus, principalmente: se Ele deu o que deu a vocês, é porque Deus permitiu”, escreveu em suas redes sociais.
Outro caso apontado pelo youtuber é o de Caroliny Dreher, cuja produção e publicação de conteúdo na internet eram realizadas pelos pais. Segundo a Felca, o conteúdo começou a ser divulgado quando Dreher tinha 11 anos. Para atender aos pedidos dos seguidores, incluindo integrantes de redes de pedofilia, os responsáveis passaram a publicar conteúdos mais sensuais.
A criança deveria estar brincando, não se expondo. Mas aos poucos foi se escalando para culminar no ponto de se tornar absolutamente criminoso. É uma das coisas mais asquerosas e corrompidas que eu já vi na minha vida, diz Felca ao falar sobre o caso que também está sendo investigado pelas autoridades. A reportagem não localizou os responsáveis por Caroliny Dreher. O espaço está aberto para posicionamentos.
O youtuber não responsabiliza apenas os cuidadores das crianças e adolescentes, mas também as próprias redes sociais, que não exercem controle sobre os conteúdos nem punem os responsáveis. “As redes deveriam sinalizar esse tipo de conteúdo e não monetizar. Banindo, punindo e não colocando no caldeirão de sopa dos recomendados”, afirma.
Fonte por: Brasil de Fato