Escândalo Epstein representa um entrave para Donald Trump em manter apoio majoritário no Congresso americano
A Casa Branca se mostra incapaz de afastar o presidente de seu amigo, que é acusado de tráfico sexual com menores.

Em junho do ano em curso, o ex-melhor amigo de Donald Trump, Elon Musk, acusou o presidente dos EUA de estar nos arquivos do financista Jeffrey Epstein, acusado de liderar um esquema de tráfico sexual com menores. Musk afirmou que a denúncia seria “uma bomba” e que a menção a Trump justificava o esforço da Casa Branca em manter em sigilo a maior parte dos documentos do caso.
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Realmente, a declaração de Musk causou descontentamento para Trump e seu grupo de apoiadores. No mês seguinte, pesquisas da Reuters-Ipsos e da Universidade de Quinnipiac mostraram que a maioria dos americanos desaprovava a maneira como o presidente lidou com a questão, com menos de 20% demonstrando aprovação.
A conclusão foi inesperada, visto que polêmicas não costumam afetar a avaliação de Trump, principalmente entre seus eleitores. Por exemplo, mesmo após o ataque de 6 de janeiro de 2021 ao Capitólio dos EUA, um acontecimento que levou muitos a considerar o fim da trajetória política de Trump, uma pesquisa da CNN revelou que os republicanos apoiaram a atuação do ex-presidente por ampla margem: 63-32%.
Isso justifica a urgência da Casa Branca em desmentir que Trump tenha redigido um bilhete afetuoso e sexista para Epstein em 2003, divulgado pela oposição democrata. A carta, uma mensagem digitada com formato de contorno de corpo feminino e com a suposta assinatura de Trump no lugar do pênis, foi uma das diversas notas enviadas por amigos de Epstein, compiladas pela ex-parceira Ghislaine Maxwell, que cumpre pena de 20 anos de prisão em decorrência de seu 50º aniversário.
A carta apresenta um curto diálogo entre “Donald” e “Jeffrey”, no qual o primeiro afirma que “os segredos nunca envelhecem”. O texto finaliza com Donald desejando um feliz aniversário a Epstein, e adicionando: “Que cada dia seja mais um maravilhoso segredo”.
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Em tradução livre,
Donald: Um amigo é uma coisa maravilhosa. Feliz aniversário e que cada dia seja mais um segredo maravilhoso.
O narrador afirma: existe mais na vida do que simplesmente possuir tudo.
Donald: Sim, existe, porém não vou revelar o que se trata.
Jeffrey: Também, visto que eu também o compreendo.
Donald: Nós compartilhamos algumas coisas em comum, Jeffrey.
É verdade, considerando o ponto.
Donald: Enigmas nunca envelhecem, você percebeu isso?
Jeffrey: Na realidade, aquilo se tornou evidente na última vez que nos encontramos.
A Casa Branca chegou a propor a análise grafotécnica da carta, porém a proposta foi recusada pelo deputado republicano James Comer, que preside a comissão de investigação do caso. A situação se intensificou na quarta-feira com uma coletiva de imprensa de vítimas de Epstein e suas famílias, realizada na escadaria do Capitólio, onde exigiram a divulgação integral dos documentos.
A medida alterou o rumo da análise, que antes se concentrava na participação de grandes bilionários nas vítimas, frequentemente adolescentes gravemente afetadas. Se, em junho, o círculo de Trump esperava que o caso fosse deixado em segundo plano, atualmente isso se mostra inviável e a questão é: em que extensão ele comprometerá os planos políticos do líder de extrema direita?
Governo enfrenta ameaça de perda de apoio.
Ainda não se sabe se o caso Epstein se revelará uma bomba radioativa ou mera distração momentânea, mas enquanto o Partido Republicano se prepara para as eleições de meio de mandato que renovam o Congresso no próximo ano, mesmo um pequeno obstáculo à sua aprovação pública – distração que impeça Trump de se concentrar em uma mensagem de campanha mais benéfica – pode ter consequências significativas nas urnas. “Se 1%, 2% ou 3% da base do Trump se decepciona com ele e resolvem não votar nas eleições de 2026, pode ser determinante nos resultados”, disse o professor da Brown University James Green ao Brasil de Fato. Trump tem maioria de apenas sete parlamentares na Câmara dos Deputados federais e pesquisas indicam que a chance de perder a maioria é bem real. O pesquisador estadunidense acredita que o bilhete divulgado “vai aumentar ainda mais o desejo dos setores republicanos que mergulharam em teorias da conspiração envolvendo Epstein. Eles acreditam há anos que ele representa uma forma do ‘estado profundo’ de proteger os seus, ricos e poderosos”. “Isso certamente será usado pelos democratas para criar uma rachadura entre os republicanos”.
Na reportagem, o professor de Relações Internacionais da Universidade Estadual do Rio de Janeiro Pablo Victor Fontes Santos declara concordar: “Todo o caso Epstein tem capacidade de desmantelar o governo Trump”, afirma. “Vai depender de como as instituições dos Estados Unidos vão responder às demandas da sociedade civil. É crucial a forma como o Judiciário e o Congresso vão enfrentar o autoritarismo do regime Trump”, diz ele.
A ironia é uma figura de linguagem que
O analista político da BBC nos EUA, Anthony Zurcher, considera que a visibilidade obtida pelas vítimas de Epstein pode representar um ponto de inflexão no caso. O público americano teve acesso aos rostos daqueles cujas vidas foram prejudicadas ou destruídas por Epstein quando crianças. A entrevista coletiva da quarta-feira coloca as vítimas no centro, com a promessa adicional de que elas não serão silenciadas.
Trump reconheceu ter sentido o impacto, admitindo a complexidade de refutar teorias da conspiração, das quais se destacou por propagar.
“Isso me recorda um pouco do caso Kennedy”, afirmou Trump. “Entregamos tudo a eles repetidamente, cada vez mais e mais, e ninguém está satisfeito.”
Recentemente, o caso similar envolveu outro presidente americano, Barack Obama, cuja origem de nascimento foi contestada. Trump próprio se responsabilizou por propagar a falsidade de que ele não nascera nos Estados Unidos (Obama nasceu no Havaí). A ironia da situação não é mais considerada, na América do Norte, com a ausência de evidências de que se tratava de desinformação deliberada.
Fonte por: Brasil de Fato