Contencioso em Empresas: A Nova Era da Decisão Estruturada
Durante muito tempo, a qualidade técnica foi suficiente para sustentar o contencioso. Bons pareceres, domínio jurisprudencial, peças bem construídas e leitura atenta dos tribunais sempre foram o grande diferencial dos departamentos jurídicos. Esse alicerce continua indispensável.
CONTINUA DEPOIS DA PUBLICIDADE
O que mudou foi o ambiente em que ele precisa operar. Hoje, as empresas lidam com milhares de processos ativos, picos diários de demandas no atendimento, pressão constante sobre custos, metas de acordo, indicadores de produtividade e decisões do STF e do STJ que, de um dia para o outro, alteram a lógica de carteiras inteiras.
Volume e Desorganização
O volume passou a crescer muito mais rápido do que a capacidade tradicional de decidir, processo a processo. A sensação de perda de controle deixou de ser exceção e passou a integrar a rotina de muitas operações. Nesse cenário, uma constatação começa a se impor de forma silenciosa: o contencioso de volume deixou de ser apenas um tema técnico.
CONTINUA DEPOIS DA PUBLICIDADE
Ele passou a ser, sobretudo, um problema de como se decide, de como se prioriza e de como se controla economicamente o risco.
Falhas Estruturais
Em muitos casos, o passivo cresce não por erro jurídico, mas por falha estrutural na forma de decidir. A técnica isolada já não sustenta o contencioso em escala. Uma empresa madura não renuncia a rigor jurídico, análise crítica e domínio normativo.
CONTINUA DEPOIS DA PUBLICIDADE
LEIA TAMBÉM!
O desgaste surge quando essa técnica passa a operar de forma fragmentada em estruturas com milhares de ações.
Padronização e Controle
No dia a dia, situações semelhantes recebem tratamentos distintos conforme a região, o escritório, o juiz, a pressão por metas ou a leitura financeira do momento. O efeito não é apenas insegurança jurídica. É desorganização decisória, aumento artificial de litigância e perda progressiva de controle sobre o custo real da carteira.
Muitas vezes, a própria empresa passa a alimentar a litigância que depois tenta conter.
O Novo Paradigma
A ausência de padrões faz com que até decisões tecnicamente corretas passem a produzir instabilidade. O impacto aparece nas provisões mal calibradas, nos acordos sem critério econômico uniforme, nas teses instáveis e nos encerramentos que se prolongam além do ponto de eficiência.
O novo paradigma: a técnica dentro de uma engenharia decisória.
Construindo Matrizes Decisórias para o Contencioso
A resposta a esse cenário não veio da substituição da técnica nem de soluções automatizadas que prometem resolver tudo sozinhas, mas da construção de matrizes decisórias como infraestrutura de governança do conflito. Na prática, essas matrizes organizam, de forma objetiva e alinhada à estratégia da companhia: quando contestar quando propor acordo quando encerrar rapidamente quando concentrar energia em teses estruturantes.
Aplicação Setorial
Essa não elimina a análise jurídica. Ao contrário, exige ainda mais critério e mais qualidade. A diferença é que a técnica deixa de operar como decisão isolada e passa a integrar um sistema previsível, escalável e financeiramente controlável.
Não se trata de automatizar o direito. Trata-se de organizar a inteligência jurídica para que ela produza estabilidade econômica, operacional e reputacional.
Os conflitos mudam de setor para setor, mas a lógica da decisão pode ser estruturada de forma comum. No setor aéreo, atrasos, cancelamentos, overbooking e eventos de força maior passam a ser tratados com critérios claros de responsabilidade, impacto financeiro e estratégia processual, evitando tanto acordos automáticos desnecessários quanto litigância defensiva em massa.
No varejo, trocas, estornos, vícios e campanhas promocionais passam a ser decididos com base em recorrência, sensibilidade reputacional e custo transacional, conectando jurídico, atendimento e operação. Nos bancos, tarifas, fraudes, crédito e negativação passam a ser tratados dentro de uma lógica integrada entre compliance, proteção ao consumidor e eficiência econômica.
Na telecom, a organização decisória conecta jurídico, engenharia de rede e atendimento, reduzindo a judicialização causada por descoordenação interna. No e-commerce, a padronização decisória disciplina marketplace, logística, SLA e pós-venda, impactando diretamente não apenas o passivo judicial, mas também a experiência do cliente.
Impactos da Unificação Decisória
Quando a matriz entra em operação de forma madura, os efeitos deixam de ser teóricos. A litigância repetitiva tende a recuar, a previsibilidade aumenta, as provisões passam a refletir melhor o risco real segundo a lógica do CPC 25, as teses se estabilizam e os ciclos de encerramento se encurtam.
O contencioso deixa de ser apenas um centro de custo reativo e passa a operar como fluxo financeiro previsível. Jurídico, finanças e operações passam a falar a mesma linguagem de risco e impacto econômico. Mais do que reduzir processos, a organização passa a reduzir incerteza.
Do jurídico opinativo ao jurídico de engenharia. O advogado deixa de atuar apenas como operador de opinião reativa e passa a exercer função de engenharia decisória. O jurídico assume posição de arquiteto de risco, gestor de previsibilidade e agente de estabilidade institucional.
Ele deixa de atuar apenas quando o problema já explodiu e passa a desenhar o sistema capaz de absorver o conflito sem gerar instabilidade econômica e operacional. O encerramento de um ciclo. A discussão não é entre técnica e método. A mudança real está em reconhecer que, na economia da escala, técnica sem arquitetura de decisão produz instabilidade.
O contencioso de volume não pode mais ser gerido apenas com bons pareceres isolados. Ele exige engenharia, governança e previsibilidade. O futuro do contencioso não pertence a quem litiga melhor cada caso, mas a quem constrói os melhores sistemas para decidir.
