Um vídeo pode ser mais do que entretenimento. Em 6 de agosto de 2025, o influenciador Felca viralizou ao denunciar o denominado “Algoritmo”, mecanismo que, segundo ele, impulsionava conteúdos de crianças em contextos sexualizados nas redes sociais. Em poucos dias, a denúncia acumulou dezenas de milhões de visualizações, despertou indignação pública e mobilizou investigações que culminaram na prisão de influenciadores como Hytalo Santos em 15 de agosto.
A exploração digital infantil consiste na apresentação antecipada de padrões de comportamento, estética e consumo de natureza adulta, fenômeno que se intensificou com as redes sociais. O ocorrido demonstrou como conteúdos digitais, mesmo quando produzidos com intenção crítica ou humor, podem acelerar mudanças legislativas, judiciais e regulatórias em um curto período.
O gatilho para políticas públicas
A linha de eventos foi contundente. Em 26 de agosto de 2025, a Câmara conduziu audiências públicas com especialistas, parlamentares e representantes de plataformas digitais. No dia seguinte, o Senado votou pela aprovação do PL 2628/2022, denominado “PL da Adultização”, estabelecendo novas responsabilidades para os fornecedores digitais.
Não se limita à criação de filtros ou controles parentais, mas implica em repensar o projeto das plataformas sob a lógica da segurança por design. A lei introduziu exigências que vão desde mecanismos acessíveis e eficazes de monitoramento por responsáveis até a vedação de perfis infantis expostos a algoritmos de publicidade segmentada. Também restringiu o uso de tecnologias avançadas, como realidade aumentada ou sistemas de gamificação, quando direcionadas a menores de idade.
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Um outro eixo importante é a transparência algorítmica, que exige que as plataformas expliquem como os conteúdos chegam ao público infantil e juvenil e prestem contas sobre seus critérios de recomendação. Esse movimento amplia a responsabilidade das empresas, que passam a ser cobradas não apenas pela remoção de conteúdos ilícitos, mas pela prevenção estrutural de riscos, exigindo governança, conformidade e relatórios periódicos de segurança digital.
Ademais, o projeto fortalece a integração com políticas públicas: a proteção da infância passa a ser compartilhada entre o Estado, a sociedade e as empresas, que deverão dialogar de forma mais próxima com reguladores e órgãos de fiscalização. Para anunciantes e marcas, esse cenário impõe um cuidado extra: associar campanhas, patrocínios ou influenciadores sem avaliar os riscos de exposição pode gerar não só consequências reputacionais, mas também responsabilidades jurídicas em cadeia.
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O problema regulatório.
Continuam sendo desafios relevantes: como conciliar a liberdade de expressão com a proteção da infância? Quais falhas ainda se observam no funcionamento de algoritmos obscuros? Até que ponto as empresas de tecnologia podem ser responsabilizadas por práticas automatizadas que expõem riscos sociais previsíveis?
A exploração precoce, contudo, não é meramente tecnológica: trata-se de um fenômeno cultural que precede os algoritmos, mas que se acentuou com a lógica das redes. A exposição inicial compromete o desenvolvimento pleno e questiona a eficácia de normas já estabelecidas no Estatuto da Criança e do Adolescente e na Constituição Federal, que agora precisam considerar modelos digitais de negócios.
As empresas no centro da atenção.
O governo também está sob análise. Empresas, anunciantes e plataformas digitais devem intensificar a atenção em suas campanhas publicitárias e estratégias de marketing digital. A questão não é apenas obedecer à legislação, mas também evitar riscos de imagem e assegurar que uma associação de imagem não se transforme em questionamento público ou investigação.
As ações de patrocínio, campanhas direcionadas, parcerias com influenciadores e iniciativas de marketing devem ser avaliadas não apenas sob aspectos financeiros, mas também sociais, culturais e legais. A falta desse cuidado pode converter um êxito nas vendas em uma crise de reputação, principalmente quando há envolvimento de crianças.
O caso Felca evidenciou que a viralização pode transformar, em poucos dias, a maneira como a sociedade, os reguladores e os consumidores avaliam certas práticas. Em um ambiente digital de resposta imediata, não é suficiente apenas acompanhar depois: a prevenção é a única forma de salvaguardar a reputação e os ativos financeiros.
O que está por vir.
A exploração digital deixou de ser tema exclusivo de psicólogos e educadores. Atualmente, constitui vetor de políticas públicas, regulamentações emergenciais e riscos empresariais diretos. A negligência acarreta custos éticos, jurídicos e de reputação. O aprendizado é evidente: as empresas precisam abordar esse fenômeno não como uma ameaça isolada, mas como parte de sua governança de riscos. A incorporação de análises preventivas em campanhas, a revisão de políticas de publicidade e o estabelecimento de protocolos de compliance digital são medidas essenciais para transformar um desafio em diferencial competitivo.
A proteção da infância não é apenas responsabilidade do Estado. É uma tarefa compartilhada entre famílias, escolas, empresas e plataformas. O desafio não é somente evitar conflitos: é utilizar a governança digital como vantagem competitiva. Em um mercado cada vez mais atento à agenda ESG e à proteção da infância, as empresas que conseguirem associar marketing, jurídico e compliance a essa temática estarão mais aptas a lidar com crises e converter riscos em confiança.
Fonte por: Jovem Pan