No Dia do Cerrado, não há motivos para comemorar. Apesar da redução do desmatamento, o bioma continua apresentando a maior área desmatada nos últimos anos, em relação às demais regiões. Contudo, recebe pouca atenção do Poder Legislativo.
O Instituto de Pesquisa Ambiental da Amazônia (Ipam) identificou que, entre mais de 30 mil Projetos de Lei (PLs), Emendas Constitucionais e Medidas Provisórias (MPs) em análise na Câmara dos Deputados, apenas oito abordam a proteção do bioma.
As formações vegetais típicas do Cerrado, devastadas pela expansão da monocultura, são historicamente negligenciadas, segundo Dhemerson Conciani, pesquisador do Ipam. “O seu fortalecimento e inclusão no escopo das legislações anti-desmatamento, nacionais e internacionais são fundamentais para regular o clima e manter os ciclos hidrológicos no Cerrado”, explica o pesquisador.
O Projeto de Lei 933/2025, proposto pela deputada federal Amom Mandel (Cidadania-AM), contempla algumas das poucas alternativas para reverter a situação, buscando aumentar a área de reserva legal em propriedades privadas na região da Amazônia Legal.
O Código Florestal Brasileiro determina que, no Cerrado, os proprietários de terras devem conservar apenas 20% da cobertura vegetal da propriedade. Em áreas de Cerrado que também se encontram dentro da Amazônia Legal, a exigência de preservação é de 35%. Já no bioma Amazônia, o percentual obrigatório é de 80%.
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Essa disparidade não apenas compromete a proteção de ecossistemas igualmente relevantes, mas também possibilita a ocorrência de desmatamento legalizado, sobretudo em áreas de transição entre biomas, como no Mato Grosso.
Em sua análise recente, realizada em 3 de setembro, a proposta foi discutida na Comissão de Agricultura, Pecuária, Abastecimento e Desenvolvimento Rural (CAPAD). O parecer do relator, deputado federal Rodrigo da Zaeli (PL-MT), recomendou a rejeição do projeto.
Na avaliação, Zaeli argumenta que aumentar o percentual da reserva legal nas áreas de cerrado e campos gerais da Amazônia Legal para 80% tornaria “praticamente inviável todas as propriedades rurais dos estados que ali estão”. O deputado defende que o agronegócio é “o setor que mais preserva e produz no mundo”.
Dados provenientes de imagens de satélite da plataforma MapBiomas, contudo, indicam o oposto. Ao longo dos últimos 40 anos, o Cerrado brasileiro perdeu 40,5 milhões de hectares de vegetação nativa. Isso equivale aproximadamente ao tamanho do Paraguai. A área da Matopiba, entre os estados do Maranhão, Tocantins, Piauí e Bahia, concentra 80% do desmatamento para agricultura no bioma compreendido entre 1985 e 2024. Nela, expandem-se pastagens e plantações de soja.
Atualmente, 28% do território do Cerrado está coberto por plantações, sendo a soja o principal cultivo, que ocupa cerca de 20 milhões de hectares. Isso representa uma área de soja equivalente à do estado de Sergipe.
A expansão da agropecuária, sobretudo para a produção de commodities, é a principal razão do desmatamento no Cerrado, segundo Conciani.
O Ipam adverte que, apesar de aproximadamente 45% da área total das propriedades privadas no Cerrado ainda estiver coberta por vegetação nativa, cerca de 31 milhões de hectares – o que equivale à área da Polônia ou sete vezes a área do estado do Rio de Janeiro – permanecem sujeitos a desmatamento autorizado.
Conciani destaca que essas regiões são cruciais para regular o clima e assegurar os ciclos hidrológicos do Cerrado, visto que o desmatamento nessas áreas afeta os ciclos das chuvas e a capacidade de retenção de água.
“Assim, com menor cobertura vegetal, há uma redução na evapotranspiração; menor evapotranspiração resulta em menor precipitação e essa diminuição da chuva implica em menor produtividade para o setor agropecuário brasileiro”, afirma.
A criação de áreas protegidas visa garantir a conservação da biodiversidade, a proteção de ecossistemas frágeis e a manutenção dos recursos naturais para as futuras gerações.
O deputado federal Reginaldo Lopes (PT-MG) propôs duas indicações do Projeto de Lei que visam a criação dos parques nacionais da Serra de São José e da Serra do Curral, com o objetivo de reforçar a proteção dessas regiões.
A proposta 2775/2023 estabelece que o Parque Nacional Serra de São José visa a salvaguardar os ecossistemas da Serra de São José, incluindo os ambientes de cumes de morros, áreas com vegetação, cachoeiras, reservas subterrâneas, os biomas do Cerrado e Mata Atlântica.
Na Serra do Curral, com a proteção do PL 1125/2022, mineradoras colocam em risco a conservação das matas e a qualidade dos rios. Em setembro de 2024, ativistas ambientais relataram que a Empresa de Mineração Pau Branco (Empabra) continuava atuando ilegalmente na área, apesar da ordem judicial de suspensão das operações.
Em 2024, a gestão de Romeu Zema (Novo) no governo de Minas Gerais permitiu que a mineradora Fleurs Global retomasse suas atividades na serra do Curral, com validade por seis anos. A empresa possuía anteriormente 17 denúncias de crimes ambientais.
Sabor de Cerrado e crédito rural: o que solicitam as demais propostas
O PL 3338/2019, proposto pelo atual presidente do Instituto Brasileiro do Meio Ambiente e dos Recursos Renováveis (Ibama), Rodrigo Agostinho, propõe a conservação, o uso sustentável e a restauração da vegetação nativa do bioma Cerrado. A proposta detalha ações de preservação do bioma, incluindo um programa de educação ambiental direcionado a populações tradicionais e agricultores familiares, além de linhas de crédito para a recuperação de áreas de preservação permanentes rurais e urbanas.
O PL 3644/2024 propõe a criação do Programa de Recuperação do Cerrado, Mata Atlântica, Caatinga e Amazônia, áreas mais impactadas e danificadas pelos incêndios que ocorreram em agosto e setembro de 2024 no Brasil.
A deputada Célia Xakriabá (Psol-MG) propõe, por meio do PL 5657/2023, a instituição do Dia Nacional da Saborania do Cerrado. A proposta visa valorizar os conhecimentos e os sabores provenientes dos produtos do bioma, além de reconhecer a relevância dos produtores e produtoras envolvidos na produção desses alimentos.
O Projeto de Lei 2561/2022, proposto pelo deputado Pinheirinho (PP-MG), institui um programa de concessão de crédito bancário destinado a pessoas físicas ou jurídicas, visando à recuperação de áreas degradadas do bioma Cerrado por meio do plantio de espécies nativas.
Vicentinho Junior (PL-TO) propôs o PL 3117/2019, que trata do regime de uso do bioma Cerrado, incluindo sua conservação, preservação, utilização e regeneração. Semelhante à proposta de Agostinho, o PL estabelece diversas definições e normas para a exploração do bioma.
Fonte por: Brasil de Fato