Reflexões sobre o Paladar e a Busca pelo Novo
É verdade que, por vezes, me pego em um ciclo familiar, frequentando os mesmos restaurantes em São Paulo e pedindo sempre os mesmos pratos. No entanto, quando viajo e me afasto desse “lugar comum”, transformo-me em uma exploradora incansável, em busca das últimas novidades gastronômicas.
CONTINUA DEPOIS DA PUBLICIDADE
Essa dualidade – um turista doméstico acomodado e uma aventureira em busca de experiências – é um paradoxo que muitos de nós experimentamos. A antropóloga Margarita Barretto já identificou esse comportamento, descrevendo o turista que anseia por sair do familiar, mas, ao retornar para casa, busca exatamente o oposto.
A viagem, em si, representa uma oportunidade de romper com as rotinas e abrir-se a novas experiências. Ao nos deslocarmos, removemos os filtros protetores da rotina, permitindo que a dopamina, substância responsável pela sensação de novidade, flua livremente.
CONTINUA DEPOIS DA PUBLICIDADE
Essa busca por experiências autênticas é o que impulsiona o turismo moderno, transformando o turista em um agente ativo, capaz de decidir para onde e como ir. Contudo, a questão que me aflige é se essa busca pelo novo deve necessariamente ocorrer fora de casa.
Observando as listas anuais de restaurantes premiados em São Paulo, sinto um certo constrangimento por não conhecer muitos deles, apesar de ser chef de cozinha. A pergunta que não quer calar é se lugares famosos lá fora dão errado no Brasil justamente porque aqui queremos conforto, enquanto no exterior buscamos experimentação?
CONTINUA DEPOIS DA PUBLICIDADE
LEIA TAMBÉM!
O caso da rede de costelas Tony Roma’s, que fechou suas unidades paulistas após pouco tempo, ou o Nobu, TGI Fridays, Le Bilboquet, ilustram essa dinâmica. Uma entrevista com José Clerton, doutor em Psicologia pela Universidade de Barcelona, reforça essa ideia: “As coisas não devem perdurar, tecnologias devem ser constantemente substituídas. ‘Para que serve uma economia que opera com ferramentas obsoletas?
Tudo deve ser novo e, de preferência, belo’”.
A neofilia, essa obsessão por novidades, é um traço de personalidade que se manifesta de forma diferente em contextos distintos. Enquanto no exterior nos permitimos vivenciá-la livremente, em casa resistimos a ela. Além disso, a reciprocidade cultural desempenha um papel importante: nunca entrei num restaurante brasileiro no exterior, o que reflete a lógica de que esses estabelecimentos são destinados a turistas brasileiros.
Da mesma forma, os estabelecimentos mais autênticos da nossa cidade deveriam nos atrair tanto quanto atraem visitantes.
A lição principal dessa reflexão é que, quando temos um olhar atento e aberto ao novo, sempre percebemos que podemos melhorar – não só nossos negócios, mas nossas próprias vidas. Conforme ressalta José Clerton, a neofilia pode ser entendida como um afeto que motiva o desejo de conhecer e experimentar o novo.
Essa compreensão é fundamental para que possamos desenvolver liberdade e autonomia. A inovação está em toda parte, podendo vir de qualquer lugar, até mesmo de onde menos esperamos. Inclusive, num posto de gasolina na beira da Dutra, vi um sanduíche de ovo mexido que, ao adaptá-lo para a rede de hotéis por mim liderada, ficou mais que delicioso!
É fundamental ter curiosidade, humildade para aprender e coragem para adaptar o que funciona lá fora à nossa realidade brasileira, respeitando nossa cultura e o perfil dos nossos clientes. Além de restaurantes e hotéis, também gosto de ir ao teatro e visitar museus quando viajo.
No Brasil, a rotina cansativa me faz ansiar pelo momento de chegar em casa e descansar. É irônico, mas revelador: tratamos nossa própria cidade como se já a conhecêssemos por completo, quando na verdade ela está sempre se reinventando. Por isso, resolvi estabelecer uma meta para 2026: conhecer um restaurante novo a cada quinze dias e assistir a uma peça de teatro a cada dois meses.
Temos que nos aventurar pela nossa própria cidade, pelo nosso país. Deixar a nossa zona de conforto deliberadamente é uma oportunidade de crescimento pessoal. Enquanto você estiver nela, não está aprendendo, nem crescendo. Fazer o que sempre fizemos nos trará apenas o que sempre obtivemos.
O desafio está lançado: vamos ter o gostinho pelo novo não apenas quando estamos fora de nossa zona geográfica de conforto, mas dentro dela também?
Não podemos correr o risco de cair no conformismo – e, convenhamos, essa é uma perspectiva bem mais assustadora que qualquer aventura gastronômica ou cultural em nossa própria cidade. Afinal, ser turista na própria terra não é sinal de desenraizamento.
Pelo contrário: é reconhecer que o lugar onde vivemos merece a mesma curiosidade, o mesmo deslumbramento e o mesmo respeito que dedicamos aos destinos distantes. É aceitar que a aventura pode começar na esquina de casa, se tivermos olhos para enxergá-la.
