“Aqueles que acreditam que o conflito de classes desapareceu deveriam observar o que os entregadores estão realizando”, afirma o sociólogo Ricardo Antunes

O entregador JR Freitas e a rapper Preta Rara apresentaram um debate sobre combates no ambiente de trabalho durante o Flipe Town em São Paulo.

09/08/2025 19:49

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“Aqueles que acreditam que o conflito de classes desapareceu deveriam observar o que os entregadores estão realizando”, afirma o sociólogo Ricardo Antunes
(Imagem de reprodução da internet).

Ricardo Antunes, um dos principais nomes da Sociologia do Trabalho no Brasil, declarou em evento na Festa Literária Pirata das Editoras Independentes (Flipei) que “estamos entrando no horror absoluto em relação ao trabalho”. A indústria que mais se expande, avaliou o professor da Unicamp durante o evento em São Paulo, é “a da plataforma e do e-commerce”, e o que se vive é “escravidão moderna e digital”. Contudo, alertou, “para quem pensa que a luta de classes acabou, vá ver o que os entregadores estão fazendo”.

Entregadores de aplicativo realizaram protesto com motociata e churrasco em frente ao iFood Move, evento corporativo com ingressos de R$ 1 mil para empresas e proprietários de restaurantes na zona sul de São Paulo. As manifestações denunciavam o “escravidão moderna” e reivindicavam uma taxa mínima de R$ 10 por corrida.

Na véspera do Dia das Mentirosas, a categoria promoveu um greve nacional com paralisações em pelo menos 70 cidades do país, em 31 de março e 1 de abril. Milhares de motoboys se dirigiram até a sede do iFood em Osasco (SP).

Além de Ricardo Antunes, o debate sobre as lutas contra a precarização do trabalho contou com a presença da historiadora e rapper Preta Rara, autora do livro Eu, empregada doméstica (Letramento) e do entregador JR Freitas, membro da Aliança Nacional dos Entregadores de Aplicativos (Anea).

“Estamos constantemente sendo explorados pelas empresas de aplicativo. A narrativa da extrema direita é mais fácil e atraente do que aquela que diz que é preciso derrubar a estrutura capitalista”, analisou JR Freitas. “Os entregadores de aplicativo, na maioria, são mais de direita do que de esquerda”, acentuou o entregador, que também é membro do Movimento dos Trabalhadores Sem Direitos.

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É necessário que a esquerda se comunique com aqueles que realizarão a verdadeira revolução, como motoboys e empregadas domésticas. Sem o contato com essas pessoas, não será possível alcançar qualquer resultado, afirmou.

Um dos organizadores do Breque Nacional dos Apps, JR, relatou que a mobilização foi realizada sem apoio sindical e por meio de grupos de Whatsapp. “O que fizemos? Captamos o sentimento. Esse é o caminho, é preciso escutar os trabalhadores. Qual o sentimento? É de liberdade? De não querer mais se subordinar a um patrão?” analisou o entregador.

“É possível que trabalhadores estejam se inclinando à direita devido à dificuldade da esquerda em se conectar com o povo”, declarou Freitas. “Precisamos ter uma revolta no coração”, defendeu o integrante da Anea: “Vamos organizar a raiva do nosso povo”.

Em média, sete motociclistas morrem por dia no Brasil. Com base neste dado da Associação Brasileira de Medicina de Tráfego (Abramet), JR afirmou considerar a profissão de entregador uma das mais perigosas da atualidade. “Se morre muito. E porque ninguém fala nada? Porque é vida descartável. Porque não é filho de advogado. Nem de dono de multinacional. É filho de trabalhadora doméstica”, ressalta.

Eu, empregada doméstica

Sua avó e sua mãe, Preta Rara, trabalharam como empregada doméstica. Ao longo de sete anos, exerceu essa profissão em Santos (SP), “em lugares que as pessoas chamam de ‘casa de família’”, como se os lares onde não têm essas trabalhadoras não fossem casas de família.

“Minha mãe criou pessoas brancas que depois vieram querer me chamar de irmã”, relatou Preta Rara. A mãe trabalhava na casa de outros, o pai, como carteiro. “Demorei para entender que era uma profissão hereditária para as mulheres pretas no Brasil. Como se fosse algo predestinado para nós”, salientou. Das seis milhões de pessoas que exercem trabalho doméstico no Brasil, 78,8% são negras, aponta o IBGE.

No Brasil, foi necessário estabelecer uma legislação para garantir a existência de um cômodo destinado à trabalhadora doméstica, ilustrando, com indignação, as razões que inspiraram o título de seu livro, “a senzala moderna é o quartinho da empregada”.

Em 2016, ao iniciar suas aulas de história, Preta Rara compartilhou nas redes sociais, especificamente no Facebook, suas vivências e traumas como empregada doméstica, utilizando a hashtag #Eu,empregadamesticas. Dentre eles, os abusos sofridos por uma ex-patroa, que era professora universitária de esquerda. A publicação alcançou grande repercussão em 24 horas. Relatos semelhantes continuaram a surgir, e essas experiências são documentadas em seu livro.

Após o assunto ganhar destaque nas redes sociais, a mídia brasileira parou e percebeu que existem trabalhadoras sem direito a férias, que não podem usar o banheiro. A partir daí, começaram a querer me entrevistar, expõe Preta Rara. As abordagens da imprensa foram basicamente duas: criticou. A uma, sobre a meritocracia, de como essa mulher saiu de relações violentas de trabalho para se tornar uma historiadora, rapper e produtora de conteúdo. Ou a do apagamento, “como se eu fosse precursora dessa luta”, resume Preta Rara.

Solicitei à senhora Benedita da Silva (PT) que redigisse a introdução do meu livro. Ela possui grande experiência na luta pela questão do trabalho doméstico. É uma figura responsável pela Proposta de Emenda à Constituição das domésticas, declarou a escritora.

Diante da tentativa de censura da prefeitura de Ricardo Nunes (MDB), que vetou o uso da Praça das Artes nas vésperas do evento, a Flipei foi transferida para espaços ligados a lutas populares da cidade. O debate ocorreu no Galpão Elza Soares, do Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem Terra (MST). A programação prossegue até domingo (10).

Fonte por: Brasil de Fato

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