Especialista detalha como cérebro, linguagem e emoções moldam a amnésia infantil: esquecer é parte do desenvolvimento.
A maioria de nós, adultos, tem dificuldade em recordar os primeiros anos de vida, como o aprendizado a andar, as primeiras palavras ou o reconhecimento do rosto da mãe. Esse fenômeno, conhecido como amnésia infantil, é um mistério que intriga cientistas e pais.
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A incapacidade de reviver essas memórias da infância é um dos grandes enigmas da neurociência.
A amnésia infantil é um fenômeno natural do desenvolvimento humano, diferente do simples esquecimento. Ela representa a incapacidade de armazenar e recuperar memórias autobiográficas antes de uma certa idade, geralmente entre 3 e 4 anos. A falta de capacidade de nós adultos relembrarmos as memórias de infância, especialmente antes dos 4 anos de idade, é o que define esse fenômeno.
Embora alguém possa dizer se lembra do próprio nascimento ou do primeiro aniversário, cientistas afirmam que essas recordações são provavelmente construções, influenciadas por relatos familiares, fotos ou imaginação. Isso acontece porque, nessa fase, o cérebro ainda está em pleno desenvolvimento.
Segundo a pediatra Layla Faleiros, o grande motivo por trás da amnésia infantil está na maturação cerebral. “Infelizmente, com essa pouca idade, não temos todos os mecanismos de memória bem desenvolvidos. Por exemplo, o hipocampo, que é essencial para consolidar memórias, ainda não está bem formado.
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O córtex pré-frontal só está formado entre 3 e 5 anos”, explica.
O hipocampo é a região responsável por transformar memórias de curto prazo em memórias de longo prazo. Já o córtex pré-frontal, crucial para raciocínio e narrativa, ajuda a organizar as lembranças em forma de história. Sem essas estruturas maduras, as experiências não são registradas de forma permanente.
Outro fator essencial é a linguagem. É por meio das palavras que as experiências são transformadas em histórias que podem ser contadas. Na primeira infância, a linguagem ainda está em formação, o que impede a construção de uma memória autobiográfica.
“O bebê também não domina a linguagem ainda, o que dificulta transformar vivências em memórias. Por mais que tenhamos experiências, elas não ficam acessíveis de forma consciente quando estamos mais velhos”, esclarece a pediatra.
Isso significa que a criança vive intensamente, mas ainda não consegue registrar em palavras aquilo que sente, o que compromete a lembrança consciente no futuro.
Embora não seja possível lembrar dos primeiros anos de vida, isso não significa que eles passam despercebidos pelo cérebro. Nessas fases, predominam as chamadas memórias implícitas, aquelas ligadas a sensações, reações emocionais e vínculos afetivos.
“Nos primeiros anos, predominam as memórias implícitas, que são as inconscientes, relacionadas às sensações, emoções e respostas corporais. O bebê reconhece o rosto da mãe, se sente seguro, mas não lembra desses eventos de modo consciente. É como se fosse gravado no corpo”, diz Layla.
É por isso que um bebê pode se acalmar no colo de alguém conhecido, mesmo sem “lembrar” dessa pessoa. Ele não recorda, mas reconhece.
Mesmo sem memórias narrativas, tudo o que é vivido na infância deixa marcas profundas no desenvolvimento emocional. Um ambiente acolhedor fortalece estruturas como o hipocampo e a amígdala, áreas ligadas à memória e à regulação emocional.
“O ambiente familiar e emocional exerce forte influência. Um ambiente estável, com vínculo seguro e estímulos positivos, favorece o amadurecimento do cérebro. Por outro lado, estresse e insegurança afetiva podem atrapalhar a consolidação de memórias e conexões neurais”, explica.
Assim, aquilo que não é lembrado conscientemente pode continuar vivo no comportamento, inclusive na forma como reagimos ao mundo adulto.
A ciência já avançou, mas ainda existem questões em aberto. Alguns adultos afirmam ter lembranças de momentos muito precoces, e há debate sobre até que ponto essas memórias são reais ou reconstruídas.
“A forma como as memórias são estabelecidas na infância pode variar de cultura para cultura. Em muitos casos, adultos relembram fragmentos de eventos antes dos 2-3 anos, mas há alto risco dessas memórias serem apenas reconstruções posteriores, influenciadas por outras pessoas”, pontua a especialista.
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