É necessário um mutirão para fomentar a agroecologia e combater a crise ambiental. Por causa de Vida, Justiça Social e Soberania dos Povos, mais de 600 indivíduos formaram as equipes de trabalho para a 22ª Jornada de Agroecologia. A Jornada, um dos maiores eventos de agroecologia do país, ocorreu de 6 a 10 de agosto no Campus Centro Politécnico da Universidade Federal do Paraná (UFPR), em Curitiba (PR). Mutirão deriva de motyrõ, da língua tupi, e significa trabalho em conjunto. Nas comunidades do campo, das águas e florestas, a solidariedade se manifesta no trabalho coletivo de cultivo da terra e na partilha de sementes, enquanto na comunicação popular ela se concretiza na construção colaborativa de narrativas que denunciam a opressão e as desigualdades, frequentemente decorrentes da concentração fundiária, e anunciam um projeto de sociedade baseado na produção de alimentos saudáveis, na justiça social e no enfrentamento da crise ambiental e climática.
Na 22ª Jornada de Agroecologia do Paraná, organizada por mais de 60 coletivos, movimentos populares, cooperativas, comunidades indígenas, quilombolas e da reforma agrária, participaram aproximadamente 50 comunicadores de diversas regiões do Paraná, que, em um grande coletivo, expressaram em palavras, imagens e sons a luta pela terra e pela vida.
Esta iniciativa conjunta entre a comunicação popular alcançou, nas redes sociais, mais de 280 conteúdos, com mais de 2,3 milhões de visualizações e mais de 100 mil pessoas interagindo. No site do evento, foram publicadas 40 matérias em texto e dez releases foram enviados à imprensa. Desses conteúdos, evidenciou-se a primeira edição do Jornada em Rede, um programa de entrevistas para aprofundar o debate sobre Agroecologia, e a edição especial impressa do Jornal Brasil de Fato Paraná, com uma tiragem de 9 mil exemplares distribuídos diretamente ao público em diversas regiões do estado.
Este trabalho voluntário ganha ainda mais importância considerando a forte estrutura cultural e de comunicação criada pelo agronegócio nas últimas décadas. Mensagens como “Agro é tudo” e a disseminação de estilos como o agronejo influenciam percepções e buscam normalizar um modelo de produção insustentável. Diante dessa grande quantidade de informação, a comunicação agroecológica popular resiste e produz imagens, sons e narrativas, demonstrando que existem pessoas que cultivam sem produtos químicos, que há comunidades lutando pela posse da terra, e que a variedade cultural e biológica representa um valor e não um impedimento.
Comunicação é mais do que um instrumento, sendo um processo.
A comunicação popular, nesse contexto, não se limita a divulgar ações, conforme sintetiza Franciele Petry Schramm, comunicadora da Terra de Direitos e integrante do Coletivo de Comunicação da Jornada de Agroecologia: “a comunicação popular e agroecológica expressam um projeto de sociedade”.
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Essa visão é compartilhada por Ednubia Ghisi, do Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem Terra (MST) e integrante do Coletivo. Ela afirma que a comunicação popular na Jornada de Agroecologia reflete o esforço das pessoas em romper com as estruturas impostas pelo capitalismo, reorganizando aspectos como a forma de organização, produção e distribuição.
Contribui para que consolidemos a crença de que é viável modificar de maneira organizada a sociedade que habitamos, tão desigual e injusta. E que essa transformação não ocorrerá se cada indivíduo ou organização agir isoladamente, mas sim através do esforço conjunto da classe trabalhadora e de todas as pessoas que se preocupam com o futuro do planeta.
A implementação dessa ideia ocorre na forma como o trabalho colaborativo é estruturado na Jornada. As pessoas se organizam em conjunto, considerando suas capacidades e talentos, e atuam nas áreas de Texto, Assessoria de Imprensa, Áudio, Jornada em Rede, Audiovisual, Redes Sociais, Design e Fotografia.
As equipes visam criar estratégias nas fases de pré, durante e pós jornada. “Quando você, por exemplo, vê um card no Instagram ou recebe uma chamada no WhatsApp, ou um vídeo, isso tudo envolve um trabalho muito grande e coletivo de uma série de pessoas que estão envolvidas e ajudando a construir esse coletivo”, explica Franciele Petry Schramm.
O trabalho em rede, segundo o professor de Comunicação da Universidade Federal do Paraná (UFPR), Elson Faxina, é uma tarefa modesta, porém de grande importância. “Cada um faz um pouco, mas não estamos promovendo uma ‘comunicaçãozinha’ da Agroecologia, e sim transformando o pensamento brasileiro do agronegócio para o agroecológico. Com isso, estamos auxiliando na transformação do pensamento no Brasil”, sintetiza.
Assim, para o Coletivo de Comunicação da Jornada, os produtos e materiais de divulgação são relevantes, mas igualmente essencial é o processo de organização em si. Essa dinâmica articula conhecimentos, competências, intercâmbios e construção, pois possibilita a integração de novos indivíduos, o aprendizado e o compartilhamento de perspectivas. Esse senso de construção coletiva, para confrontar narrativas frente ao domínio midiático do agronegócio, se manifesta nos relatos de participantes em sua primeira cobertura.
A experiência motivou Alice Ernsen, estudante de Jornalismo. Foi uma honra participar da Jornada. Conhecer novas áreas, pessoas, culturas, tudo incluído nesse projeto, rico em diversidade. Aprender como funciona uma redação também foi incrível, e ela adquiriu muitos conhecimentos com as pessoas que estavam trabalhando ali. Nunca esquecerá do trato profissional que recebeu ao ser a fotógrafa oficial da equipe, sentindo uma grande sensação de pertencimento, e percebendo que escolheu a profissão certa após a Jornada da Agroecologia.
Gustavo Souza, do Núcleo de Comunicação e Educação Popular da Universidade Federal do Paraná (NCEP UFPR), associa a prática do mutirão de comunicação à proposta da extensão universitária. “Pensamos onde estamos. Então, por exemplo, vamos para penitenciárias, comunidades, trabalhamos com as populações, trabalhamos com elas para que elas façam por elas. Não chegamos em uma comunidade para dar voz, trabalhamos com pessoas que já têm voz. Essas pessoas têm demanda, têm uma vida, já estão na luta delas. O que fazemos é chegar com nosso conhecimento da universidade, acadêmico, para ajudar a ampliar a voz que as pessoas têm. Ensinamos, mas também aprendemos muito com as parcerias e comunidades.”
O Programa Jornada em Rede oferece soluções de gestão para empresas, abrangendo áreas como folha de pagamento, controle de ponto, gestão de benefícios e gestão de pessoal.
Uma das recentes consequências dessa articulação em rede é a realização do Jornada em Rede. Um programa de rádio, disponibilizado no YouTube e Spotify, produzido durante a própria Jornada, que surgiu de um projeto do grupo de oferecer um produto de maior qualidade no formato de áudio.
A Jornada em Rede conta com nove episódios até o momento, sete produzidos durante a 22ª edição e dois anteriores, incluindo uma entrevista especial com Leonardo Boff. Um dos vídeos dessa conversa alcançou mais de 125 mil visualizações nas redes sociais. Foram entrevistadas 18 pessoas e sete pessoas participaram da produção dos episódios. Houve também uma parceria com o Sindicato dos Bancários para a produção de um episódio sobre Justiça Tributária e Agroecologia.
A produção é resultado de uma colaboração entre veículos e organizações, incluindo Brasil de Fato Paraná, Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem Terra, Terra de Direitos, Agência Escola da UFPR, Núcleo de Comunicação e Educação Popular da UFPR (NCEP) e Sindicato dos Bancários. “Este programa é muito especial, pois representa um símbolo desse esforço de trabalho em rede e confere nome à iniciativa”, declara Franciele Petry Schramm, uma das idealizadoras da iniciativa.
Rede de comunicadores ganhando destaque pela promoção da agroecologia no Paraná.
Nos últimos meses, no Paraná, ganhou força um movimento pela comunicação agroecológica, fruto da união entre movimentos populares, organizações, universidades, estudantes, professores, pesquisadores e coletivos, com a realização do Seminário de Comunicação e Agroecologia do Paraná. Até o momento, ocorreram duas edições, em novembro de 2024 e maio de 2025.
O espaço tem se consolidado como período de estudo, organização e estruturação de uma Rede de Comunicadoras e Comunicadores pela Agroecologia no Paraná, com retroalimentação entre os seminários e a organização para a cobertura colaborativa da Jornada. Nos seminários, ocorre estudo, discussão e articulação; na Jornada, o grupo realiza a prática da comunicação agroecológica.
A realização de seminários é parte do projeto Bem Viver, desenvolvido a partir de um convênio entre o Instituto Latino Americano de Agroecologia Contestado (ICA) e a Itaipu Binacional. Mais duas edições estão programadas para acontecerem até o ano de 2026.
A discussão dessa rede se estende há mais de dez anos, em diversos contextos, incluindo o Curso de Comunicação Popular, realizado em três edições na cidade de Curitiba na primeira metade dos anos 2010. Sempre foi um objetivo. Contudo, vivenciamos uma mudança significativa nesse processo: o golpe de 2016 e, em seguida, a série de ataques à democracia e aos direitos humanos colocaram a questão do direito à comunicação em segundo plano, devido à necessidade de lutar pelo essencial, pela própria democracia, afirma Ednubia Ghisi do Coletivo de Comunicação do MST Paraná.
Atualmente, segundo ela, estamos em um novo período, uma oportunidade que se apresenta novamente. “A comunicação sempre reflete as condições políticas e econômicas do país, e hoje sinto que estamos em um ambiente propício. Essa ideia da rede começou a se desenvolver, já há um crescimento visível, e se alimenta também do desejo antigo de muitos indivíduos e comunicadores populares que existiram antes de nós”, reflete. Essa semente também alcança as novas gerações. Para aqueles que se aproximam agora da agroecologia, a experiência da Rede surge como uma descoberta e um encantamento. Como relata a estudante do primeiro ano do curso de Jornalismo da UFPR Maria Fernanda Costa da Silva, “Quando entrei na faculdade este ano, não tinha contato nem conhecimento sobre a agroecologia e comunicação popular. Em maio tivemos a oportunidade de participar do seminário de comunicação popular e agroecologia como NCEP UFPR, onde conhecemos e discutimos sobre agroecologia e como fazer comunicação popular. Foram dias incríveis que me apresentaram uma nova visão de mundo muito relevante e impressionante. Assim me aproximei da Jornada de Agroecologia e da Rede de Comunicadores, participando da Jornada pela primeira vez este ano. Foi uma experiência maravilhosa poder me envolver contribuindo para o crescimento da Rede de Comunicação”.
A retomada do movimento pela comunicação popular vincula a situação presente com um legado de lutas no Paraná, incluindo a Conferência Estadual de Comunicação, em 2009, a primeira Conferência Nacional de Comunicação (Confecom), e a Frente Paranaense pelo Direito à Comunicação e Liberdade de Expressão (Frentex). Em 2025, acontecerá o 5º Encontro Nacional pelo Direito à Comunicação, entre os dias 8 e 10 de setembro, em Fortaleza (CE). O evento representa um ambiente de diálogo e progresso na mobilização pela democracia nas comunicações, regulação de plataformas e soberania digital.
Observa-se um aumento na sociedade do reconhecimento da importância da comunicação nas relações, nas estruturas de poder e para a garantia dos direitos. Constatam-se, a cada instante, exemplos dessa ligação direta entre comunicar e defender direitos, como se viu no recente debate sobre a regulação das plataformas como forma de proteção integral às crianças e adolescentes. O debate sobre o direito humano e a comunicação não se limita aos profissionais da área. Conectar a defesa da reforma agrária popular, do direito à alimentação saudável, ao meio ambiente equilibrado e ao trabalho digno – alguns dos pilares da agroecologia, com a comunicação, como o coletivo de comunicação da Jornada busca fazer, é um caminho necessário para consolidar a democracia.
A trajetória da defesa do direito à Comunicação e do movimento pela comunicação popular no Paraná está ligada à própria prática da comunicação colaborativa, conforme recorda João Paulo Mehl, atual coordenador do Comitê de Cultura do Paraná, projeto que se une em apoio à 22ª Jornada de Agroecologia.
Ele argumenta que, na década de 2000, ativistas, midiaturistas e comunicadores enfrentaram o desafio de relatar um evento amplo e diversificado sem a dependência dos grandes meios de comunicação, que muitas vezes distorciam ou omitiam suas temáticas. Desta necessidade emergiu um modelo em rede, descentralizado e autônomo, que compartilhava estrutura, recursos e informações para fortalecer vozes minoritárias. Essa prática colaborativa se tornou um princípio central do movimento, conforme resgatado no lema: “Um Outro Mundo é Possível”.
Comunicação e cultura são conceitos intrinsecamente ligados, influenciando-se mutuamente e moldando a maneira como os indivíduos percebem e interagem com
A agroecologia abrange a produção de alimentos saudáveis, incorporando culturas, identidades e estilos de vida que se desenvolvem nos territórios. Músicas, poesias, danças, dialetos, ritos e espiritualidades manifestam a diversidade que fundamenta o movimento.
A comunicação e a cultura popular, ao serem vistos como bens comuns, transformam-se em ferramentas para a construção de narrativas próprias, que se opõem ao discurso dominante da mídia comercial e impulsionam a agroecologia como um projeto para o futuro.
Sylviane Guilherme, membro do Comitê de Cultura do Paraná, que atua em colaboração com o Centro de Desenvolvimento Sustentável e Capacitação em Agroecologia (Ceagro) nos territórios de Reforma Agrária, destaca que a organização coletiva da comunicação colaborativa representa “uma outra cultura de organização popular, apta a romper com modelos hierárquicos e a promover práticas horizontais de partilha e construção de saberes”.
Ela argumenta que essa lógica se manifesta na produção agroecológica e no preparo da comida, evidenciando uma cultura alimentar popular focada na coletividade, na ancestralidade e na sustentabilidade dos modos de vida.
Quando essas práticas se cruzam com as diferentes manifestações artísticas em diálogo com a agroecologia, surge uma cultura: um espaço simbólico e sensível onde não há distinção entre cultura e natureza, mas sim uma rede dinâmica de interdependências.
O Comitê de Cultura do Paraná, em colaboração com o Centro de Desenvolvimento Sustentável e Capacitação em Agroecologia (Ceagro), junta-se ao Coletivo de Comunicação da Jornada de Agroecologia e ao movimento de formação da Rede de Comunicadores Populares pela Agroecologia no Paraná.
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Fonte por: Brasil de Fato