De Taguatinga a Samambaia, do Sol Nascente ao Pôr do Sol, todos se encontravam ali, todos faziam parte.
Candelária possuía um São João. Um São João que não se encaixava em calendário oficial, que não cabia em planilha, mas que cabia no coração da cidade. Era festa de chão batido, de poeira misturada com cheiro de milho, de fogueira iluminando rosto de criança e de adulto, de sanfona, forró e risadas que atravessavam a noite. De Taguatinga a Samambaia, do Sol Nascente ao Pôr do Sol, todo mundo se encontrava ali, todo mundo fazia parte.
CONTINUA DEPOIS DA PUBLICIDADE
A festa expandiu-se, atingindo um tamanho que demandava além dos limites de Ceilândia. O piso que antes suportava grande público, palcos e bandas elétricas, tornou-se inadequado. Em seguida, ocorreu a negligência do Governo do Distrito Federal (GDF): ausência de soluções, falta de planejamento cultural. Era como se a cidade e a festa fossem ignoradas por aqueles que deveriam protegê-las.
O resultado foi o que se viu: o São João saiu de Ceilândia. Teve que ir para outro lugar. Levou estrutura, luzes, som. Mas não levou a essência. Não levou o povo que construiu cada quadrilha, cada barraca de comidas típicas, cada momento que fazia a festa vibrar. Ali, no novo endereço, tudo ficou mais organizado, maior, mais “bonito” no papel, mas a vida que sempre fez a festa existir ficou do lado de fora.
A negligência do GDF, ainda que não intencional, evidenciou uma decisão: a tradição popular, quando confrontada pelo desenvolvimento, não obteve a atenção necessária.
Cultura não é apenas palco e iluminação. Cultura é gente, é história, é pertencimento.
CONTINUA DEPOIS DA PUBLICIDADE
A celebração então se restringe a um simples acontecimento. Um evento desprovido de espírito, sem o aroma de milho assado, sem o calor da região periférica, sem o São João originário de Ceilândia.
Restam fotos, notícias, relatos de quem sentia saudades. O maior São João do Cerrado, que por décadas fez a cidade inteira dançar e se abraçar, hoje existe como lembrança. Uma lembrança viva, mas também uma lição dura: quando o poder público não acompanha, quando falta visão e cuidado, até tradição pode se perder.
Ceilândia ainda vibra. Ainda há São João nos quintais, nas ruas, nas casas. Contudo, aquela celebração que acometia toda a cidade, reunindo milhares de pessoas, não se sustenta mais. E isso aflige – dói na memória, na cultura, no orgulho de quem sempre organizou a festa.
Originalmente publicado no Diário de Ceilândia.
Douglas Protázio é jornalista e fotógrafo. Residente em Ceilândia, atua desde 2010 no jornal comunitário Diário de Ceilândia, onde documenta em textos e fotografias a vida e as transformações da região.
Este é um artigo de opinião. A visão do autor não necessariamente reflete a linha editorial do jornal Brasil de Fato – DF.
Receba notícias do Brasil de Fato DF no seu Whatsapp.
Fonte por: Brasil de Fato
Autor(a):
Responsável pela produção, revisão e publicação de matérias jornalísticas no portal, com foco em qualidade editorial, veracidade das informações e atualizações em tempo real.
CONTINUA DEPOIS DA PUBLICIDADE
Fique por dentro das últimas notícias em tempo real!